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Entenda tudo sobre: Hanseníase

Saiba tudo sobre uma das enfermidades mais antigas da humanidade, que se manifesta por meio de lesões na pele e sintomas neurológicos

Entenda tudo sobre: Hanseníase A doença é transmitida pela bactéria Mycobacterium Leprae
Crédito: Prefeitura de Jundiaí/Divulgação
1- O QUE É? 
A Hanseníase, que no passado era chamada de lepra, é uma doença tropical negligenciada, infectocontagiosa de evolução crônica, que se manifesta principalmente por meio de lesões na pele e sintomas neurológicos como dormências e diminuição de força nas mãos e nos pés. 
Hoje a Hanseníase representa um problema de saúde pública no Brasil, ocupando a 2ª posição do mundo entre os países que registram casos novos diagnosticados anualmente, sendo ultrapassado somente pela Índia. 
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2017, 150 países contabilizaram 210.671 novos casos da doença, o que corresponde a 2,8 casos a cada 100 mil habitantes. No Brasil, no mesmo ano, foram detectados 26.875 casos novos, o que expressa 12,9 casos a cada 100 mil habitantes. Entretanto, existe uma heterogeneidade dos números nas regiões do país: os estados do Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, Pará e Piauí são os que apresentam os maiores índices de Hanseníase. 

2 – SINAIS E SINTOMAS
A dermatologista do Hospital Santa Cruz, Cassiana Konishi Okada, explica que os sinais e sintomas mais frequentes da Hanseníase são: manchas esbranquiçadas, acastanhadas ou avermelhadas na pele que podem apresentar alteração de sensibilidade; áreas com diminuição de pelos e suor, dor e sensação de choque. Formigamento nos membros; inchaço das orelhas, nariz, mãos e pés; diminuição da sensibilidade e/ou da força muscular da face, mãos e pés, devido à inflamação de nervos (que nesses casos podem estar engrossados e doloridos); úlceras de pernas e pés; nódulos no corpo (em alguns casos avermelhados e dolorosos); febre, inchaço e dor nas articulações; obstrução nasal com formação de feridas; ressecamento nos olhos, entre outros.

3 – TRANSMISSÃO
A doença é transmitida pela bactéria Mycobacterium leprae (ou bacilo de Hansen, em homenagem ao seu descobridor Armauer Hansen, em 1873). “Trata-se de um parasita intracelular obrigatório, com afinidade por células cutâneas e por células dos nervos periféricos, que se instala no organismo da pessoa infectada, podendo se multiplicar. O M. leprae tem alta infectividade e baixa patogenicidade, isto é, infecta muitas pessoas, no entanto, poucas adoecem. O homem é reconhecido como única fonte de infecção (reservatório), embora tenham sido identificados animais naturalmente infectados”, diz Leandro Machado, médico infectologista.
Segundo a dermatologista Cassiana Konishi Okada, essa bactéria tem capacidade de infectar indivíduos de qualquer sexo ou idade. Atinge principalmente a pele e os nervos periféricos, podendo ocasionar lesões neurais, conferindo à doença um alto poder incapacitante, principal responsável pelo estigma e discriminação às pessoas acometidas pela Hanseníase.
Apesar de ser uma doença manifestada na pele, a transmissão acontece por pequenas gotas de secreção que saem na respiração do paciente sem tratamento. Em tese, todas as pessoas estão expostas, no entanto, a maioria possui resistência natural e não adoece mesmo em contato com o bacilo. Os grupos de maior risco são familiares e pessoas próximas de pacientes. Desta forma, como parte das ações de controle, todos os indivíduos que mantêm contatos próximos com os pacientes devem ser examinados, visando o diagnóstico precoce.
“Tocar a pele do paciente não transmite a Hanseníase e cerca de 90% da população desenvolve imunidade e não apresenta a doença. A maneira como ela se manifesta varia de acordo com a resposta imunológica de cada pessoa”, ressalta Dra. Cassiana Okada.
“Ao penetrar no organismo, a bactéria inicia uma luta com o sistema de defesa do paciente. O período em que a doença pode ficar escondida no organismo é prolongado e pode variar de dois a sete anos”, enfatiza o médico dermatologista da Diretoria da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Egon Daxbacher.

4 – TIPOS DA DOENÇA
A Hanseníase divide-se em dois grupos: Paucibacilar (forma Indeterminada e Tuberculoide) e Multibacilar (forma Borderline ou Dimorfa, e forma Virchowiana) e o neurocirurgião Gilmar Saad explica sobre esses diferentes tipos.
Hanseníase Indeterminada: com até cinco lesões mal definidas e sem comprometimento do nervo.
Hanseníase Tuberculoide: com manchas e placas em até cinco lesões bem definidas com um nervo comprometido.
Hanseníase Borderline ou Dimorfa: manchas e placas acima de cinco lesões com bordas bem ou mal definidas com comprometimento de dois ou mais nervos. 
Hanseníase Virchowiana: é a forma mais disseminada da doença, em que há dificuldade de separar a pele normal da danificada. Há lesão de nariz, rins e aparelho reprodutor masculino.
Segundo a dermatologista Fernanda Seabra, apesar da Hanseníase ser uma enfermidade de evolução crônica, seu curso pode ser interrompido de forma abrupta por sinais e sintomas agudos. “Entre eles salientam-se febre alta, dor no trajeto dos nervos, surgimento de lesões da pele (placas ou nódulos) e piora do aspecto de lesões que já existiam previamente. Esses quadros se denominam reações hansênicas ou estados reacionais”, conta. 

5 - DIAGNÓSTICO
Dra. Fernanda Seabra esclarece que o diagnóstico envolve avaliação dermatológica e neurológica do paciente, por meio de testes de sensibilidade, palpação de nervos e avaliação da força motora. “Também pode ser feita a baciloscopia, que corresponde à coleta da serosidade cutânea, colhida em orelhas, cotovelos e da lesão da pele, e ainda pode ser realizada biópsia da lesão ou de uma área suspeita”, explica a especialista.
De acordo com a dermatologista Sandra Durães, que é coordenadora da Campanha Nacional de Hanseníase da SBD, o acompanhamento da doença é feito por equipes multiprofissionais e o dermatologista desempenha importante papel, já que ele é o profissional responsável pela avaliação clínica do paciente, com aplicação de testes de sensibilidade, avaliação e monitoramento da função dos nervos periféricos. “É um médico que está apto a fazer uma biópsia ou pedir exames laboratoriais, caso evidencie alguma lesão suspeita no paciente”, afirma. 

6 - TRATAMENTO
A Hanseníase acometeu a humanidade por centenas de anos, sem que houvesse tratamento, o que provocou muita discriminação e isolamento dos pacientes. No entanto, atualmente existem antibióticos eficazes contra a doença, o que possibilita que ela seja tratada e curada sem que a pessoa se afaste da rotina. Por este motivo, é fundamental que seja feita a conscientização da população e dos profissionais de saúde, visando reconhecimento rápido de casos precoces da doença. 
“O tratamento do paciente com Hanseníase é fundamental para curá-lo. É importante fechar a fonte da infecção interrompendo a cadeia de transmissão, sendo, portanto, estratégico no controle da endemia e eliminação da Hanseníase enquanto problema de saúde pública”, diz o infectologista Leandro Machado.  
Dr. Leandro Machado deixa claro ainda que o tratamento integral de um caso de Hanseníase compreende o procedimento quimioterápico específico – a poliquimioterapia (PQT); acompanhamento, com vistas a identificar e tratar as possíveis intercorrências e complicações da doença; prevenção e tratamento das incapacidades físicas. 
“A poliquimioterapia é uma associação de antimicrobianos, recomendada pela OMS. Essa associação diminui a resistência medicamentosa do bacilo, que ocorre com frequência quando se utiliza apenas um medicamento, o que acaba impossibilitando a cura da doença”, orienta o infectologista. 
É importante lembrar que hoje, em todo o mundo, o tratamento é oferecido gratuitamente, visando que a doença deixe de ser um problema de saúde pública. No Brasil, é fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e após a primeira dose da medicação não há mais riscos de transmissão durante o tratamento e o paciente pode conviver em meio à sociedade.  “O período de tratamento varia de seis meses (nas formas paucibacilares) a um ano (nas multibacilares), podendo ser prorrogado ou feita a substituição da medicação em casos especiais. O tratamento é eficaz e cura, com desaparecimento das manchas e nódulos subcutâneos”, salienta a dermatologista Fernanda Seabra.
A dermatologista Cassiana Okada completa que para garantir que o tratamento seja realizado adequadamente, é imposto para o paciente a administração de doses mensais supervisionadas. “Naturalmente, ter hábitos saudáveis, alimentação adequada, evitar o álcool e praticar atividade física associada às condições de higiene, contribuem para dificultar o adoecimento, assim como para toda e qualquer doença. A melhor forma de prevenção é o diagnóstico precoce e o tratamento adequado, assim como exame clínico e indicação de vacina BCG para melhorar a resposta imunológica dos contatos do paciente. Desta forma, a cadeia de transmissão da doença pode ser interrompida”, conclui.

7 – SEQUELAS
De acordo com o neurologista Gilmar Saad, as lesões neurológicas, como perda de força e atrofia muscular, podem ser recuperadas, dependendo do tratamento fisioterápico intenso, se não houver complicação da doença e se o diagnóstico for precoce. “A prática de exercícios físicos também pode ajudar, impedindo retrações, encurtamentos e a perda de movimentos. O importante é manter uma vigilância rigorosa sobre o quadro neurológico”, diz.  
Segundo a Dra. Cassiana, estas são alterações do sistema imunológico, que se expressam por meio de manifestações inflamatórias e ocorrem com maior frequência nos casos multibacilares, durante ou depois do tratamento. “As sequelas se devem à infiltração do bacilo na pele e nervos, bem como a resposta imunológica do paciente contra o bacilo. Dependendo da intensidade em que elas ocorrem, as sequelas motoras como perda da força, retração dos nervos, destruição de cartilagens do nariz e orelhas são permanentes e irreversíveis”, diz a médica.  
Dr. Saad alerta que apesar da doença ter cura, pode deixar sequelas neurológicas e/ou dermatológicas, dependendo da fase em que foi feito o diagnóstico. “O óbito pode ocorrer, devido as reações graves e comprometimento do sistema imunológico, renal e vascular”, afirma.

8 - CAMPANHA NACIONAL
Anualmente, em janeiro, são promovidas ações de conscientização sobre a Hanseníase para marcar o Dia Nacional de Combate e Prevenção, lembrado no último domingo do mês. Conhecida como Janeiro Roxo, a iniciativa é apoiada pela Sociedade Brasileira de Dermatologia, por intermédio do Departamento de Hanseníase. A campanha busca melhorar o controle da doença através da disseminação de informações especializadas e conscientização da população sobre sua gravidade, bem como a necessidade de diagnóstico e tratamento precoces, contribuindo para a redução do preconceito acerca da doença.  “Estamos no caminho certo para transformar essa realidade. Mas sabemos que ainda temos muito trabalho pela frente no enfrentamento dessa doença”, afirma o presidente da SBD, Sergio Palma.

FONTES CONSULTADAS:
Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD)
Cassiana Konishi Okada: Médica Dermatologista com graduação e residência médica pela UNIFESP. Membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia e da Academia Americana de Dermatologia. Médica dermatologista do Hospital Santa Cruz. Atuação em Dermatologia clínica, cirúrgica e estética. 
Fernanda Seabra: Médica Dermatologista, pela UnB. Residência em Dermatologia, Residência Cirurgia Micrografica de Mohs. Fellowship câncer de pele: Medical University of Graz, Austria. Fellowship câncer de pele: Hospital Maggiore, Trieste - Italia. Mestranda na UFMG, Nevo associado a melanoma. 
Gilmar Saad: Neurocirurgião e Cirurgião de Coluna Vertebral - membro titular da SBN e SBC, preceptor da residência médica de neurocirurgia do Ihbdf e atuante na clínica privada do DF. Residência médica no HBDF em neurologia neurocirurgia e pós em coluna em vários lugares do mundo EUA, Espanha, França, Alemanha e Suíça.
Leandro Machado: Médico Infectologista formado UnB. Com residência em infectologia pelo Hospital Universitário de Brasília (HUB), especialização e mestrado em infectologia e Medicina Tropical pelo Núcleo de Medicina Tropical da UnB. Atende no Centro de Oncologia de Brasília (Cettro), é coordenador da infectologia e da clínica médica do Hospital Santa Lúcia, médico intensivista do Hospital Santa Luzia e do Hospital Brasília e ainda é professor adjunto do Centro de Ensino Unificado de Brasília (Uniceub).

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