PALAVRA DO ESPECIALISTA

Artigo - Medicina além da vida: aspectos fisiológicos do organismo humano com a morte

Podemos iniciar esse misterioso artigo, mostrando que na interseção entre a vida e a morte, a Medicina Legal e as Ciências Forenses, revelam aspectos fascinantes do corpo humano que transcendem os limites de nossa existência

Artigo - Curiosidades sobre o funcionamento do organismo humano e sitema muscular após a morte Crédito: Banco de imagens

Não é difícil para percebermos que a morte é um processo complexo que envolve uma série de mudanças fisiológicas e bioquímicas no corpo humano. Dentro das Ciências Forenses e Medicina Legal, destaca-se uma área responsável pelo estudo dos aspectos da morte de seus variados aspectos, chamada de Tanatologia Forense. É sabido que quando uma pessoa morre, o sistema nervoso central para de funcionar, levando à diversos tipos de alterações, como por exemplo, a cessação da atividade cerebral e à interrupção das funções vitais do corpo, desencadeando uma série de eventos que podem ser observados tanto no nível macroscópico quanto no nível celular. Nesse artigo, vamos elucidar resumidamente os inúmeros aspectos bioquímicos, celulares e fisiológicos imediatos e tardios que envolvem o corpo humano quando temos ocorrência da morte.

FENÔMENOS CADEVÉRICOS / ALTERAÇÕES DO CORPO HUMANO FRENTE À MORTE

Podemos dizer que uma pessoa será considerada morta quando sofrer dano irreversível ao conjunto de estruturas do Sistema Nervoso Central (SNC) dentro do crânio, que seja suficientemente extenso a ponto de impedir a sobrevivência do restante do organismo. É a partir desse momento que se iniciam os fenômenos cadavéricos estudados pela Tanatologia Forense, que podem ser divididos da seguinte forma:

Fenômenos Abióticos

São todos os fenômenos que evidenciam a ausência de vida, podendo ser imediatos ou consecutivos.

Os Fenômenos Imediatos se tornam presentes, imediatamente após a ocorrência da morte, como a perda da consciência, insensibilidade, parada respiratória e circulatória, palidez e midríase, etc. Não podem dar o diagnóstico de certeza da morte, mas, quanto maior o período de tempo em que estiverem ocorrendo, maior a possibilidade da morte real ter acontecido. Já os Fenômenos Consecutivos, ocorrem como uma conseqüência da morte no corpo humano, nesse caso, surgem depois de decorrido um certo período de tempo, dentre eles, podemos destacar:

  • Esfriamento: O corpo perde sua temperatura habitual para o meio ambiente em que se encontra;
  • Desidratação: Os mecanismos de manutenção da homeostase corporal cessam, levando perda de água corporal, como conseqüência, os tecidos mais expostos ficam ressecados (olhos, pele e mucosas, por exemplo);
  • Rigidez cadavérica (Rigor Mortis): A parada do metabolismo leva à formação de pontes de Actomiosina nas fibrilas musculares, o que por sua vez causa o enrijecimento dos músculos;
  • Manchas de hipóstase: Ocorrem devido à ação da gravidade, onde o sangue passa a se acumular nas partes mais baixas do corpo, de acordo com a sua posição.

Fenômenos Transformativos:

São os fenômenos que, de alguma forma, alteram o aspecto do corpo morto e colaboram tanto para a sua destruição quanto para a sua conservação com o passar do tempo. Podem ser destrutivos ou conservativos:

Fenômenos Destrutivos:

Autólise: É o processo de destruição causado por enzimas que estão presentes em células e tecidos do corpo. Com a parada do metabolismo, passam a atuar nos locais onde normalmente são produzidas, o que leva à degradação, e prejudica a análise microscópica de tecidos que poderiam auxiliar na determinação da causa da morte;

Putrefação: Ocorre devido à ação de micro-organismos endógenos e exógenos ao corpo que vai sendo destruído com o passar do tempo. É dividida em etapas:

Etapa de coloração: Ocorre entre 18 e 24 horas após a morte, uma mancha verde começa a surgir na região abdominal e evolui com um progressivo escurecimento da pele e outros tecidos;

Etapa gasosa: Nessa etapa que dura em torno de 2 semanas, os gases gerados pela putrefação se infiltram nos tecidos corporais, causando um aumento do volume do corpo e bolhas flácidas de gás na pele;

Etapa de liquefação: Ocorre com o passar dos meses, os tecidos putrefeitos vão lentamente se soltando dos ossos, o que leva à última etapa da putrefação:

Etapa de esqueletização: Essa etapa vai depender da localização do corpo, e do ambiente em que se encontra, pode durar de 2 a 5 anos. É nessa fase que os ossos do corpo começam a ficar expostos, até serem tudo o que resta.

Maceração: Ocorre quando o corpo se encontra no ambiente uterino asséptico (ou seja, sem micro- organismos), a autólise vai ocorrer em meio líquido, gerando um processo de destruição tecidual que leva a uma progressiva descamação cutânea e infiltração serossanguínea dos tecidos, bem como à flacidez de partes moles e à separação das partes ósseas. Ocorre apenas com a morte de fetos intraútero.

Fenômenos Conservativos:

Esse fenômeno depende diretamente de fatores ambientais do local onde se encontra o corpo, ao invés dele ser destruído, pode ocorrer a preservação natural dos tecidos corporais morto, sendo que esse evento poderá ocorrer de 3 formas:

Saponificação: Como o próprio nome sugere, o corpo fica com a textura semelhante à de um sabão. Isso ocorre devido à formação de uma substância chamada Adipocera, que vai preservar o aspecto morfológico do corpo, ocorrendo principalmente em locais de corpos sepultados em solo argiloso úmido, em corpos mantidos na água, ou em valas comuns que possuem vários corpos juntos;

Mumificação: Ocorre quando um corpo é sepultado em solos arenosos e secos, ou mesmo mantidos em altitudes nas quais a umidade é muito baixa, o corpo irá sofrer um dessecamento progressivo, que passa a preservar, de certa forma, o seu aspecto morfológico;

Petrificação: Se trata de um fenômeno raríssimo que ocorre com os corpos de fetos de gestações ocorridas fora do útero, onde o cálcio é depositado na cavidade abdominal, levando à formação de litopédios.

PRINCIPAIS MUDANÇAS BIOQUÍMICAS E CELULARES NO SISTEMA MUSCULO ESQUELÉTICO E NO ORGANISMO HUMANO COM A MORTE

Uma das primeiras mudanças observadas na estrutura muscular após a Morte é o início do Fenômeno de Rigor Mortis. Podemos dizer que o Rigor Mortis é o resultado da contração muscular generalizada que ocorre algumas horas após a morte, causada pelo acúmulo de cálcio nas células musculares, que ocorre devido à interrupção do mecanismo de bombeamento de cálcio das células, pela formação de pontes de Actomiosina.

Nesse caso, com a falta de energia para manter o equilíbrio iônico dentro das células, o cálcio se acumula no citoplasma, desencadeando a contração muscular, sendo que o Rigor Mortis inicia cerca de 2 a 6 horas após a morte, atingindo o seu pico máximo em cerca de 12 horas e desaparece gradualmente ao longo de 1 a 3 dias. Além do Rigor Mortis, outros fenômenos pós-mortem também podem ser observados, dentre eles o fenômeno de Livor Mortis, ou manchas de sangue pós-mortem, ocorre quando o sangue se acumula nos vasos sanguíneos mais baixos do corpo, devido à ação da gravidade (também chamados de Livores).

Assim sendo, o fenômeno de Livor Mortis resulta na formação de manchas de descoloração na pele, que podem ser úteis na determinação da posição do corpo após a morte. Outro fenômeno comum que pode ser observado é o fenômeno de Rigor Livor, que é a combinação associada de Rigor Mortis e Livor Mortis, e pode fornecer informações adicionais sobre a causa e o momento da morte.

Além disso, inúmeras outras alterações corporais pós-mortem ocorrem e devem ser observadas, tais com o Resfriamento do corpo, conhecido como algor mortis, e Autólise, que é a decomposição celular devido à atividade enzimática ). Essas mudanças podem ser influenciadas por uma variedade de fatores, incluindo a temperatura ambiente, o tempo decorrido desde a morte e a condição do corpo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na medicina legal, a compreensão dos fenômenos pós-mortem é crucial para determinar a causa e a hora da morte, bem como aos fisiologistas gerais para fins de estudo e compreensão total do funcionamento do corpo humano na vida e morte, além de ajudar na investigação de mortes suspeitas.

O exame cuidadoso do corpo e a análise das mudanças físicas e bioquímicas que ocorrem após a morte podem fornecer informações valiosas para as Ciências Forenses na investigação de crimes. Dentre os inúmeros fenômenos bioquímicos ocorridos no organismo humano pós morte e estudados enfaticamente na Medicina Legal, destacamos aqui nesse artigo o intrigante fenômeno muscular de Rigor Mortis, uma condição em que os músculos se contraem e o corpo adquire uma rigidez característica em decorrência da deposição de pontes de Actomiosina.

Essa rigidez muscular pode fazer com que o corpo assuma uma posição particular, muitas vezes descrita como a posição de lutador. No entanto, é importante ressaltar que o Rigor Mortis não é permanente e eventualmente cede à medida que o corpo passa por estágios posteriores de decomposição.

Para finalizar esse artigo, ressalto que a Medicina Legal e as Ciências Forenses é um campo de estudo vasto e complexo e que diversos são os fenômenos fisiológicos ocorridos pós mortem e estudados detalhadamente pela Tanatologia Forense não citados aqui nesse resumido artigo. Assim sendo, através do estudo do corpo humano após a morte, a Medicina Legal e Ciências Forenses, continuam a desvendar os mistérios da vida e da morte, oferecendo insights cruciais para a investigação dos mais diversos casos em auxilio à justiça.

Dr. Edson Carlos Z. Rosa

Cirurgião, Fisiologista e Pesquisador em Ciências Médicas, Cirúrgicas e do Esporte

Diretor do Instituto de Medicina e Fisiologia do Esporte e Exercício (Metaboclinic Institute), Diretor Executivo do Centro Nacional de Ciências Cirúrgicas e Medicina Sistêmica (Cenccimes) / Diretor Executivo da União Brasileira de Médicos-Biocientistas (Unimédica) /  Presidente e Fundador da Ordem Nacional dos Cirurgiões Faciais (ONACIFA), Presidente e Fundador da Sociedade Brasileira de Medicina Humana (SOBRAMEH) e Ordem dos Doutores de Medicina do Brasil - ODMB, Doutor em Ciências Médicas e Cirúrgicas (h.c),

Pós-graduado em Clínica Medica - Medicina interna, Medicina e Fisiologia do Esporte/Exercício, Nutrologia e Nutromedicina, Fisiologia Humana Geral aplicada às Ciências da Saúde.

Escritor e Autor de Diversos Artigos na área de Medicina Geral, Medicina e Endocrinologia do Esporte, Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Neurociência e Comportamento Humano.

Fundador-Gestor do e-Comitê Mundial de Médicos do Desporto e Exercício (Official World Group of Sports And Exercise Physicians), Fundador-Gestor Internacional de Cirurgiões Craniomaxilofaciais (The Official World Group of Craniomaxilofaciais Surgeons).

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