PALAVRA DO ESPECIALISTA

Artigo - O uso de anti-inflamatórios e hipertrofia muscular

Devemos indicar o uso de tais medicamentos para diminuir a dor muscular após os treinos de musculação ou não?

Artigo - O uso de anti-inflamatórios e hipertrofia muscular Crédito: Banco de imagens

A prática de esportes e exercícios físicos frequentes, sempre foi um consenso na literatura médica e comunidade científica como uma melhor forma de se cultivar saúde e qualidade de vida.

Entretanto, muitos adeptos que ingressam nas academias, seja por questões fisiológicas ou físicas, não conseguem se adaptar com a dor muscular pós-treino, que é uma resposta comum adaptativa da musculatura, frente ao estimulo mecânico dos exercícios.

Essa dor comumente observada pode ter os mais variados graus, dependendo do limiar neurológico de dor que varia de acordo com cada individuo, o que pode levar a dificuldades de aderência a rotina de exercícios imposta e até mesmo a desistência de muitos. Ainda assim, diferente dos que desistem, muitos dos que permanecem em busca de cultuar a sua forma física muscular e ganhar resultados aparentes, passam a ingerir erroneamente diversos medicamentos de classes distintas de anti-inflamatórios ou relaxantes musculares com a intenção de aliviar as dores e dar continuidade ao treinamento.

Mas será que esta intervenção com anti-inflamatórios influência para bem ou mal os resultados esperados ?

Para elucidar melhor essa pergunta, vamos esclarecer os mecanismos de ação que geram o crescimento e hipertrofia muscular no organismo humano, bem como os princípios farmacológicos do uso dos medicamentos anti inflamatórios.

1- ASPECTOS FISIOLÓGICOS DA HIPERTROFIA MUSCULAR

Fisiologicamente falando, a hipertrofia muscular consiste no aumento na secção transversa do músculo e aumento do tamanho e número de filamentos de actina e miosina e a adição de sarcômeros dentro das fibras musculares já existentes. Podemos dizer que o método mais eficiente para que ocorra a hipertrofia muscular se dá através de exercícios resistidos (musculação), que são os que se realizam contra resistências graduáveis, gerando aumento da capacidade contrátil e o volume dos músculos esqueléticos. Essa modalidade, tem sido apontada por diversos estudos, como uma das principais adaptações da musculatura esquelética diante do treinamento de força, assim sendo, a hipertrofia muscular é a busca pelo aumento do diâmetro ou tônus muscular.

Por outro lado, o treinamento resistido nas salas de academia promove uma degradação das fibras musculares, devido a geração de um alto nível de tensão nas fibras musculares a fim de causar uma adaptação fisiológica posteriormente vinculada a degradação muscular. Por esse motivo que quando estimulamos a musculatura, estamos degradando as fibras musculares que irá culminar em uma inflamação (micro lesão) local.

No entanto, após o treino, essa condição vai se invertendo até que se inicia a síntese protéica, que é o preenchimento dos locais lesionados na musculatura esquelética, com proteínas específicas localizadas na corrente sanguínea. Esse é o evento que provocará o aumento das miofibrilas e consequentemente o aumento da musculatura esquelética (Hipertrofia Muscular).

2- PROCESSO INFLAMATÓRIO E DOR MUSCULAR TARDIA (DMT)

Podemos dizer que a Dor Muscular Tardia (DMT) que aparece logo no primeiro dia e atinge a sua intensidade máxima nos dois 2 dias seguintes (48h após), podendo desaparecer em torno 5-7 dias. Esse processo fisiológico, pode ser resultante do acumulo de produtos metabólicos decorrente do exercício físico, como, edema tecidual causado pelo extravasamento do plasma sanguíneo para o interior do tecido conjuntivo que liga as fibras musculares.

A dor muscular tardia está relacionada a ação excêntrica do movimento gerando micro lesões ou rupturas nas fibras musculares. Essas rupturas ocasionadas pelo exercício físico podem permanecer por horas ou até mesmo dias, até que haja a reconstrução muscular. O músculo lesionado, libera substancias que iniciarão o processo inflamatório (Interleucinas, Fator Necrose Tumoral –TNF, dentre outros) ativando células mononucleares do músculo e fornecendo estimulo químico as células inflamatórias. Os neutrófilos liberam citocinas (substancias imunorreguladoras), que por sua vez ativam mais células inflamatórias, os macrófagos (células do sistema imune) removem os resíduos das fibras musculares lesadas através de um processo chamado fagocitose, e em seguida ocorre a regeneração muscular, através de células denominadas satélites.

Já o edema muscular resulta na proliferação de macrófagos, e em seguida o desenvolvimento do processo inflamatório.

Desse modo, a inflamação é uma resposta de organismos vivos a estímulos lesivos que podem ser exógenos (agentes infecciosos, traumas físicos ou químicos) ou endógenos (imunológicos, neurológicos), tem a finalidade de reconstruir a estrutura do tecido ou órgão afetado. O processo inflamatório inicia se na microcirculação, ocorrendo vasoconstrição e em seguida vasodilatação, aumento do fluxo local seguida do aumento da permeabilidade vascular, com o extravasamento do fluido e material proteico do plasma para o interstício formando o edema.

3- FISIOLOGIA IMUNOENDOCRINOLÓGICA DA INFLAMAÇÃO

A inflamação é uma resposta dos organismos à uma agressão sofrida, iniciando seu mecanismo de ação com a enzima Fosfolipase 2, que quando ativada por um estimulo lesivo libera uma substancia chamada Ácido Araquidônico da membrana celular para o citoplasma. O Ácido Araquidônico por sua vez é transformado nos mediadores inflamatórios através das enzimas Ciclooxigenase (Cox1 e Cox2), sendo que os Mediadores inflamatórios são: As Prostaciclinas, responsáveis pela vasodilatação e inibição da agregação plaquetária; As Prostaglandinas, responsáveis pela sensibilidade exagerada a dor, febre, vasodilatação, inibição da agregação plaquetária, inibição da secreção de ácido gástrico, aumento da secreção gástrica de muco; O Tromboxano, responsável pela agregação plaquetária e vasoconstrição.

4- ANTI-INFLAMATÓRIOS E SÍNTESE PROTEICA

Os anti-inflamatórios são fármacos utilizados para o tratamento de inflamações causadas por trauma, alergias entre outras agressões no organismo que levam a algum tipo de inflamação. São classificados em anti-inflamatórios esteroidais (AIE) ou glicocorticoides e anti-inflamatórios não-esteroidais (AINE), os quais apresentam representantes de várias subclasses. Esses fármacos minimizam efeitos indesejáveis causados pela defesa que o organismo obtém quando entra em contato com um corpo estranho (patógeno).

Os anti-inflamatórios se diferenciam em anti-inflamatórios esteroidais (AIE) e anti- inflamatórios não-esteroidais (AINE), coxibes, antirreumáticos, imunossupressores, glicocorticoides e os fármacos anticitocinas. Os AINEs atuam sobre enzimas prostaglandinas sintetases, conhecida como ciclogenase 1 (COX-1) ciclogenase 2 (COX-2) e recentemente uma nova isoforma de prostaglandina sintetase denominada de ciclogenase 3 (COX-3). Ambas as drogas possuem a inibição da síntese de um grupo de mediadores químicos inflamatórios denominados de eicosanóides.

Verificou-se através de alguns estudos cientificos que as enzimas Ciclooxigenase (Cox1) e (Cox2) estão presentes no processo inflamatório, mais precisamente na conversão do Ácido Araquidônico em mediadores inflamatórios como a Prostaglandina. Segundo alguns pesquisadores o que acontece é que os Anti Inflamatórios Não Esteroidais (AINES) como por exemplo o ibuprofeno, Paracetamol, Dipirona, entre outros, atuam bloqueando a Ciclooxigenase, mais especificamente a Cox2 e isso pode comprometer a síntese protéica. Sabemos que o processo de crescimento muscular requer o acionamento de células satélites encontradas ao redor do tecido muscular, pois quando uma fibra muscular está danificada as células satélites doam seus núcleos para esta fibra, para que ela possa se reconstituir. Quanto mais núcleos uma fibra muscular tem, maior será a síntese proteica e aumentando a síntese proteica, maior é o crescimento muscular. Isso sugere que a inflamação está ligada ao processo de ativação das células satélites, e é por isso que a enzima Cox2 é importante, pois a mesma é responsável pela liberação das prostaglandinas, que por sua vez desencadeia a atividade das células satélites e assim contribui para a síntese proteica nas fibras musculares (crescimento muscular).

Então quando ocorre o bloqueio da ação da Cox2 em decorrência do uso de Anti inflamatórios, a síntese protéica também é inibida.

Os anti-inflamatórios não esteroides (AINES) são uma das classes de medicamentos mais usadas no mundo, sendo especialmente eficazes no tratamento das inflamações a nível muscular, osteoarticular, etc . Os AINES agem inibindo a enzima ciclooxigenase cox1 e cox2 que produz outra, as prostaglandinas que são responsáveis pela maior parte do processo inflamatório como a dor e a febre, podendo dessa forma inibir a síntese protéica e o crescimento muscular.

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos dizer que ainda existe uma lacuna entre dor muscular, inflamação e hipertrofia. Entretanto, observamos atualmente que a dor proveniente do treinamento não está diretamente ligada ao dano na fibra muscular, e sim em toda a estrutura. Dentre as diversas classes de medicamentos Anti Inflamatórios, existem os Anti Inflamatórios Não Esteroidais (AINES), que são utilizados para combater a inflamação e consequentemente a dor. Logo, ao realizar um treinamento físico resistido, comumente será gerado um processo de inflamação nas estruturas locais, sendo que o uso de Antiinflamatórios poderá gerar um processo de inibição de crescimento muscular e síntese proteica.

Nesse caso, dependendo da intensidade da dor muscular ocasionada pelo treinamento resistido (musculação), devemos evitar o uso de medicamentos anti inflamatórios, uma vez que a inibição da dor local, poderá afetar os padrões metabólicos de sinalização da síntese protéica, aspectos esses fundamentais para o crescimento muscular e a hipertrofia frequentemente almejada pelos praticantes.

Lembrando que para casos de específicos de dores intensas e exaustivas, o mais adequado será a procura de um profissional qualificado para que seja descartada a hipótese de um quadro eventualmente lesivo da musculatura exercitada.

Dr. Edson Carlos Z. Rosa

Cirurgião, Fisiologista e Pesquisador em Ciências Médicas, Cirúrgicas e do Esporte

Diretor do Instituto de Medicina e Fisiologia do Esporte e Exercício (Metaboclinic Institute), Diretor Executivo do Centro Nacional de Ciências Cirúrgicas e Medicina Sistêmica (Cenccimes) / Diretor Executivo da União Brasileira de Médicos-Biocientistas (Unimédica) /  Presidente e Fundador da Ordem Nacional dos Cirurgiões Faciais (ONACIFA), Presidente e Fundador da Sociedade Brasileira de Medicina Humana (SOBRAMEH) e Ordem dos Doutores de Medicina do Brasil - ODMB, Doutor em Ciências Médicas e Cirúrgicas (h.c),

Pós-graduado em Clínica Medica - Medicina interna, Medicina e Fisiologia do Esporte/Exercício, Nutrologia e Nutromedicina, Fisiologia Humana Geral aplicada às Ciências da Saúde.

Escritor e Autor de Diversos Artigos na área de Medicina Geral, Medicina e Endocrinologia do Esporte, Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Neurociência e Comportamento Humano.

Fundador-Gestor do e-Comitê Mundial de Médicos do Desporto e Exercício (Official World Group of Sports And Exercise Physicians), Fundador-Gestor Internacional de Cirurgiões Craniomaxilofaciais (The Official World Group of Craniomaxilofaciais Surgeons).

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