Dr. Edson Carlos Z. Rosa
Cirurgia da Face
Fisiologia Humana Geral e do Esporte
Doutor em Ciências Médicas (h.c)
Pesquisador em Medicina Metabólica Humana com foco no esporte e exercício
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No verão, o estímulo ao culto da forma física corporal se intensifica nas academias, de forma que é impossível não se dar conta da grande demanda de pessoas presentes e focadas no treinamento de musculação. Com a estação de verão, vem à tona o desejo focado de resultados estéticos rápidos, pois segundo alguns indivíduos, verão e calor representam exposição de corpos sarados nas praias e piscinas do nosso país.
Com isso, constatamos, frequentemente, na experiência clinica de atendimentos, que determinados pacientes se submetem a levar realmente a sério o plano de treinamento técnico, dieta, suplementação, descanso e outros fatores ligados ao desempenho físico e anabolismo, somente no período que antecede o verão e às vezes até mesmo já no clima de verão instalado. Dessa forma, existe uma ansiedade muito grande desses indivíduos que nos procuram desesperados em busca de fórmulas mágicas instantâneas formadoras de músculos, como se fosse o espinafre do Popeye ou a Kryptonita do Superman. Com isso, entram nessa cena os hormônios esteroides anabolizantes, como se fossem uma receita de bolo. Pois sim, isso mesmo, uma receita de bolo que às vezes os pacientes trazem escrita em papel, com ciclos que amigos ou conhecidos fizeram e que ganharam 10 kg em 1 mês. O problema é que, infelizmente, não existe formula mágica que faça os músculos inflarem da noite para o dia, sem efeitos deletérios sobre o organismo e nem mesmo os hormônios anabolizantes fazem isso, pois o procedimento é um tanto quanto complexo e envolve uma série de condutas comportamentais, para que haja uma reação bioquímica favorável, a ponto de, gradativamente, de forma progressiva, o organismo criar meios de sintetizar cada vez mais tecido muscular e assim seja criada a tão sonhada aparência estética.
Esse é um dos grandes desafios que se propõe a fisiologia esportiva atualmente, que é criar meios de se ultrapassar os limites do desempenho físico humano e anabólico, criando, através de estudos intensos e pesquisas, fórmulas e/ou substâncias que possam atuar anabolicamente no organismo, sem a produção de efeitos adversos indesejáveis.
Pois então, antes de mais nada, gostaria de informar que os hormônios esteroides, classificados como anabolizantes, são medicamentos de grande importância sistêmica mundial e tem seu uso indicado em diversas situações clínicas, como terapias de reposição hormonal, para casos de hipogonadismo ( ausência de produção hormonal ) ou patologias envolvendo órgãos sexuais, casos de desnutrição, queimaduras corporais severas, distúrbios nas células sanguíneas como, por exemplo, anemia, osteopenia ou osteoporose (perda mineral óssea), em casos pós-cirúrgicos para restabelecimento de peso corporal, politraumatismos, doenças autoimunes que causam deficiências no metabolismo proteico, como AIDS e câncer, além de outras situações clínicas como alterações em músculos e articulações da face em cirurgia maxilo facial etc.
Como podemos ver, é extremamente importante o emprego dos hormônios sintéticos esteróides anabolizantes em dosagens terapêuticas preconizadas para cada caso clínico e é exatamente por esse motivo que eles foram criados, ou seja, suprir as deficiências hormonais que o corpo possa desenvolver ou tratar doenças especificas. Porém, foi descoberto que derivados sintéticos da testosterona, tinham uma forte atividade intracelular na produção de anabolismo e músculos, assim, dessa forma, seu uso começou a ser disseminado entre os bodybuilders e praticantes de musculação, como coadjuvantes para a produção muscular, em doses muito mais elevadas do que as preconizadas para uso em casos de patologias, trazendo a tona os efeitos colaterais e adversos indesejáveis de seu uso.
Os efeitos bioquímicos/ fisiológicos dos hormônios anabolizantes no organismo
Os esteroides androgênicos sintéticos, como a testosterona e seus derivados, uma vez no organismo humano, desempenham diversas reações bioquímicas em vários órgãos do corpo. Podemos dividir as ações dos anabolizantes esteroides no corpo humano em duas categorias principais: efeitos androgênicos e efeitos anabólicos. Os efeitos androgênicos que a substância possui, estão ligados ao desenvolvimento de características sexuais secundárias e reprodutivas, enquanto que os efeitos anabólicos são representados pela estimulação do crescimento de tecidos não reprodutores, como, por exemplo, os músculos. Porém, um único receptor bioquímico intracelular é responsável por ativar tais efeitos androgênicos e anabólicos ao mesmo tempo no organismo, dessa forma não sendo possível dissociar um efeito do outro. Com isso, passou-se a sintetizar em laboratório, diversos outros tipos de compostos derivados da testosterona, passando a existir variados graus, tanto de efeitos androgênicos como anabólicos. Nesse caso, podemos dizer que existem drogas que possuem uma relação-efeito, superior androgênico sob o anabólico, ou vice e versa, porém nunca um único efeito isolado.
Bioquimicamente falando, os anabolizantes sintéticos têm um efeito similar à testosterona no organismo, participando de reações bioquímicas generalizadas, dessa forma, quando são administrados, atingem a corrente sanguínea e podem circular livremente ou se ligam às proteínas presentes no plasma sanguíneo, onde são transportados aos órgãos alvo que possuem receptores específicos para a mesma. Chegando a determinados órgãos, rapidamente atravessam a membrana plasmática da célula e se ligam aos receptores ali presentes no citoplasma celular, formando um complexo que chamamos de hormônio-receptor com alta afinidade de ação ao núcleo celular. Em seguida, o complexo hormônio-receptor atravessa rapidamente a membrana nuclear, passando a agir diretamente no núcleo e cromatina celular, ativando a via anabólica de biossíntese celular MTOR, dando início ao processo de transcrição gênica com formação de RNA mensageiro e posteriormente tradução gênica que nada mais é do que alterações intranucleares das células, para produção de síntese proteica, gerando novas proteínas que participaram de processos vitais para o organismo e também de crescimento muscular ou anabolismo. Esse seria o efeito anabólico dos hormônios esteroides anabolizantes, porém, como dito anteriormente, também existem os efeitos androgênicos que a mesma substância produz ao entrar em contato com o corpo e isso ocorre quando a molécula atinge determinados órgãos dotados de receptores androgênicos, que ao atravessarem a membrana celular, se ligam a esses receptores que, por sua vez, passarão a sofrer a ação de uma enzima chamada 5 alfa redutase, transformando a molécula de testosterona em diidrotestosterona ou DHT, essa com forte ação androgênica, passará a desencadear efeitos relacionados a maturação de células sexuais e irá interagir em órgãos genitais masculinos e femininos. Outra interação da testosterona no citoplasma celular poderá ser a ação da enzima aromatase, que irá converter a testosterona em estrogênio, onde dessa forma, o estrogênio passará a interagir com o núcleo celular, desencadeando resposta estrogênica, como, por exemplo, ginecomastia (aumento dos mamilos) no homem. Um fator muito importante de se relatar é que, conforme a concentração de hormônios anabolizantes se torna alta no organismo masculino, ocorre um bloqueio no eixo hipotalâmico-hipófise-gonadal ou HHG, onde o mesmo passará a emitir um sinal ao cérebro através de quimiorreceptores, que a testosterona está alta, desse modo, o hipotálamo passará a diminuir o estimulo para a hipófise (diminuindo a secreção de GnRH), com isso, a hipófise passará a produzir menos os hormônios LH e FSH, diminuindo o estímulo nas células de Leidy e Sertoli dos testículos, que são produtoras de testosterona e espermatozoides. Consequentemente, diminuindo ou, dependendo da dose, até bloqueando totalmente a produção de testosterona. Para esse mecanismo, damos o nome de feedback hormonal e os hormônios anabolizantes acabam alterando, na maior parte das vezes, esse equilíbrio hormonal interno.
Podemos dizer que os órgãos do corpo humano que sofrerão ação bioquímica dos esteroides anabolizantes são: ossos, tecido adiposo, músculo esquelético, músculo cardíaco (dependendo da dosagem usada), cérebro, próstata, fígado, rins, testículos.
Principais efeitos colaterais dos hormônios anabolizantes
Sabemos que existem diversos efeitos adversos negativos provenientes do uso incorreto dos hormônios esteroides anabolizantes. Esses efeitos variam bastante de acordo com o tipo de droga utilizada, a quantidade da dose submetida e a frequência de uso da mesma.
Os efeitos colaterais e adversos mais comuns que observamos clinicamente nos indivíduos usuários do sexo masculino e feminino são:
1) Hepatotoxicidade (problemas que podem acometer o fígado como, por exemplo, hepatite medicamentosa, hepatoesteatose (fígado gorduroso), colestase hepática (disfunção do fígado com alteração do fluxo biliático) e em determinados casos pode ocorrer carcinoma hepático (câncer de fígado), hepatohemangioma, dentre outros. Convém ressaltar aqui, que o fígado é responsável por sintetizar os hormônios anabolizantes, nesse caso ele é um dos primeiros órgãos a sofrerem um desgaste com o uso de esteroides anabólicos.
2) Ginecomastia (crescimento de tecido mamário em homens) ocorre pela conversão de testosterona em estradiol na mama, pela ação da enzima aromatase.
3) Calvície (queda de cabelos ocorre mais frequentemente em homens por possuir uma predisposição genética a quedas. Acontece pela conversão da testosterona em DHT no folículo capilar, causando a interrupção do fluxo sanguíneo ao capilar. Os hormônios anabolizantes podem contribuir para acelerar a queda em pacientes que já tenham predisposição genética a alopecia androgênica (queda capilar ligada a fatores hormonais).
4) Aparecimento de acnes (espinhas) pelo corpo. (Comum em homens e mulheres, pelo aumento da testosterona e produção de óleos pela glândula sebácea).
5) Atrofia testicular. (Poderá ocorrer atrofia testicular em homens, dependendo do tipo de droga usada e da frequência do ciclo. Sabemos que ciclos extremamente longos poderão causar falha irreversível testicular na produção de testosterona, levando o testículo a quadros de atrofia e posteriormente esterilidade).
6) Queda de libido sexual. (Poderá ocorrer em homens, durante e após o ciclo, pelas alterações hormonais que a droga produz no eixo hipotálamo-hipófise-gonadal. Em alguns casos pode acometer a mulher usuária também).
7) Amenorréia (Efeito colateral muito comum no sexo feminino usuário de anabolizantes, onde poderá ocorrer ausência temporária do fluxo menstrual. Essa ausência, chamamos de amenorreia primaria ou secundária, ou seja, pode se estender por dias ou meses e está ligada a alterações do ritmo hormonal feminino).
8) Disfonia vocal ou engrossamento da voz em mulheres. (Poderá ocorrer na mulher, engrossamento vocal que se inicia por uma rouquidão na voz e, posteriormente, engrossamento da mesma. Isso ocorre pela conversão androgênica da testosterona em DHT na corda vocal).
9) Hipertrofia clitoriana feminina. (Pela mesma condição que leva ao engrossamento da voz, poderá ocorrer na mulher a conversão da testosterona em DHT no órgão genital, mais especificamente no clitóris, levando o mesmo ao crescimento e exteriorização).
10) Hirsutismo ou crescimento de pelos pelo corpo em mulheres.
11) Alterações lipídicas com aumento da produção de colesterol total e colesterol LDL em homens e mulheres. (Outra característica muito importante de ser ressaltada é o aumento da produção de colesterol total e colesterol LDL, que é considerado o mau colesterol, podendo predispor os indivíduos usuários de anabolizantes a eventos cardiovasculares, como um aumento da pressão arterial, como um acidente vascular cerebral (AVC) ou infarto agudo do miocárdio).
12) Cardiomiopatias e hipertensão arterial em homens e mulheres. (Dependendo do tipo de anabolizante usado e a dosagem empregada, poderá ocorrer aumento do musculo cardíaco, por hipertrofia muscular esquelética e cardíaca, bem como aumento da pressão arterial pela retenção hídrica plasmática).
13) Lesões músculo articulares em homens e mulheres. (Evento muito comum de ocorrer, já que altas doses de testosterona aumentam a força de contração muscular, fazendo com que a percepção neurológica da força do indivíduo se altere, nesse caso poderá acontecer de o individuo carregar um peso muito superior ao que seus músculos e articulações podem suportar, levando a quadros lesivos).
14) Irritabilidade. Outro efeito colateral frequentemente observado em usuários de anabolizantes do sexo feminino e masculino é a diminuição do limiar de tolerância, trazendo a irritabilidade comportamental como consequência, isso ocorre por uma ação generalizada da testosterona em determinadas áreas do cérebro, responsáveis pelo controle emocional, podendo trazer consequências sociais desagradáveis.
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