FISIOLOGIA DO RESULTADO

Fisiologia do Resultado: Transtorno de Dismorfia Corporal

A obsessão pela aparência perfeita

Fisiologia do Resultado: Transtorno de Dismorfia Corporal Transtorno de Dismorfia Corporal
Crédito: BANCO DE IMAGENS

- Tatiana Camargo Pereira Abrão - Médica Endocrinologista e Nutróloga Especialista em Endocrinologia e Metabologia

- Paulo Cavalcante Muzy - Médico especialista em Ortopedia e Traumatologia

 

A procura pela beleza ou pela aparência atraente parece ser objeto de fascínio da humanidade. Embora exista estereótipos que variam de acordo com os padrões culturais, a noção de beleza, um conceito dinâmico de busca pela perfeição, pode, em algum momento, como já descrito por estudos na área da psiquiatria, aproximar-se de um transtorno psíquico.  

Ao observarmos a história, percebemos que, enquanto doenças endêmicas e pestes dizimavam um grande número de pessoas, a obesidade prevalecia, contudo, como sinônimo de bem-estar e saúde. Atualmente, o que observamos é um movimento contrário a essa percepção, ou seja, a supremacia da ditadura da magreza, na qual ser belo é ser esguio. Nesse novo contexto, delimitar a linha tênue que separa o desejo da pessoa, na busca por uma melhora na aparência estética, do transtorno de dismorfia corporal (TDC) pode ser uma tarefa difícil.

São critérios diagnósticos para o transtorno de dismorfia corporal (TDC) os seguintes itens, segundo o DSM-V:

A. Preocupação com um ou mais defeitos ou falhas percebidas na aparência física que não são observáveis ou que parecem leves para os outros.

B. Em algum momento durante o curso do transtorno, o indivíduo executou comportamentos repetitivos (exemplo: verificar-se no espelho, arrumar-se excessivamente, beliscar a pele) ou então mentais (comparando sua aparência com a de outros) em resposta às preocupações com a sua aparência.

C. A preocupação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

D. A preocupação com a aparência não é mais explicada somente por preocupações com a gordura ou com o peso corporal em um indivíduo cujos sintomas satisfazem os critérios diagnósticos para um transtorno alimentar.

Em muitos casos, a pessoa tem dismorfia muscular, ou seja, está preocupada com a ideia de que sua estrutura corporal é muito pequena ou insuficientemente musculosa.  

O transtorno dismórfico corporal diferencia-se das preocupações normais com a aparência por causa da preocupação excessiva relacionada ao físico e por comportamentos repetitivos que podem tomar tempo e que também são geralmente difíceis de resistir ou controlar e que causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo na vida social e profissional da pessoa. Quando os defeitos físicos não são leves, ou seja, são claramente perceptíveis, não são considerados como diagnóstico para transtorno dismórfico corporal. No entanto, se a pessoa belisca a pele, sendo que isso pode causar lesões e cicatrizes, isso pode ser um sintoma, e nesses casos, o transtorno deve ser diagnosticado.  

O TDC não é considerado um transtorno alimentar (TA), onde as preocupações com o peso e gordura são consideradas um sintoma deste transtorno. No entanto, preocupações com o peso podem também ocorrer no transtorno dismórfico corporal.

Os transtornos alimentares que foram descritos nas outras colunas foram a Anorexia Nervosa (AN), a Bulimia Nervosa (BN), e o Transtorno de Compulsão Alimentar (TCA). Os transtornos alimentares e o TDC podem acontecer juntos, ou seja, comórbidos; nesse caso, ambos devem ser diagnosticados.

Os indivíduos com transtorno dismórfico corporal (anteriormente conhecido como dismorfobia) são preocupados com um ou mais defeitos ou falhas percebidas em sua aparência física e acreditam em parecer feios, sem despertar nenhuma atração física, ou que tem aparência anormal ou deformada (Critério A). Geralmente as falhas percebidas não são observáveis ou parecem apenas leves para outros indivíduos. As preocupações podem variar desde parecer ‘não atraente’ ou ‘esquisito’ até parecer ‘hediondo’ ou ‘monstruoso. Podem focar em uma ou mais áreas do corpo, mais comumente a pele (acne, cicatrizes, rugas, palidez, vermelhidão), pelos (pouco cabelo, cabelo armado, excesso de pelos corporal ou faciais) ou o nariz (tamanho ou formato). No entanto, qualquer área do corpo pode ser foco de preocupação (olhos, dentes, peso, estômago, mamas, pernas, tamanho ou formato do rosto, lábios, queixo, sobrancelhas, genitais).  

Algumas pessoas são preocupadas com a percepção de assimetria de áreas corporais. As preocupações são constantes, obsessivas, indesejadas, tomam tempo (ocorrendo, em média, de 3 a 8 horas por dia) e geralmente são difíceis de resistir ou controlar.

Os comportamentos repetitivos ou comparações excessivas são executados em resposta à preocupação. O indivíduo se sente compelido a executar esses comportamentos, os quais não são prazerosos e podem aumentar a ansiedade e a disforia. Eles geralmente tomam tempo e são difíceis de resistir ou controlar. Comparam a própria aparência com a de outros indivíduos; verificam repetidamente os defeitos percebidos em espelhos ou em outras superfícies refletoras ou ficam se examinando toda hora (vendo as gorduras localizadas, por exemplo); ficam se arrumando excessivamente (penteando, barbeando, depilando ou arrancando os pelos); tentam esconder seus defeitos aplicando maquiagem repetidamente ou cobrindo as áreas em questão com coisas como chapéu, roupas, ou cabelo); fazem exercícios ou levantamento de peso em excesso; e procuram procedimentos estéticos. Alguns se bronzeiam de forma excessiva para escurecer a pele ‘pálida’ ou diminuir a percepção da acne, compram produtos de beleza, roupas e maquiagem de maneira compulsiva. Podem arrancar a pele compulsivamente com a intenção de melhorar os defeitos percebidos e causam lesões cutâneas, infecções ou ruptura de vasos sanguíneos. No caso de vigoréxicos, com transtorno de dismorfia muscular, compram suplementos e até anabolizantes de maneira excessiva visando ficarem com mais musculatura e maiores de aparência.  

A dismorfia muscular, ou vigorexia, uma forma de transtorno dismórfico corporal que ocorre quase exclusivamente no sexo masculino, consiste na preocupação com a ideia de que o próprio corpo é muito pequeno, magro ou insuficientemente musculoso. Os indivíduos com essa forma de transtorno, na verdade, têm uma aparência corporal normal ou são ainda musculosos. Eles também podem ser preocupados com outras áreas do corpo, como a pele ou o cabelo. A maioria (mas não todos) faz dieta, exercícios e/ou levanta pesos excessivamente, às vezes causando danos ao corpo. Alguns usam esteroides anabolizantes perigosos e outras substâncias para tentar deixar seu corpo maior e mais musculoso.  

Muitos indivíduos com transtorno dismórfico corporal têm ideias ou delírios de referência, acreditando que outras pessoas prestam atenção nos defeitos deles ou caçoam da aparência deles.

O TDC está associado a altos níveis de ansiedade, ansiedade e esquivamento social, humor deprimido, neuroticismo e perfeccionismo, bem como a introversão e autoestima baixa. Muitos têm vergonha da sua aparência e do foco excessivo em seu visual e por estes motivos, acabam relutando em revelar suas preocupações aos outros. A maioria dessas pessoas faz tratamento estético para tentar melhorar seus defeitos.

Tratamento dermatológico e cirurgia plástica são os mais comuns, mas qualquer tipo de tratamento pode ser feito, como dentário, implante capilar, e por aí vai.

Às vezes, após os procedimentos os indivíduos até pioram sua neurose, muitas vezes querendo processar ou são violentas com o médico ou profissional que realizou o tratamento, pois nunca ficam satisfeitas com o resultado estético.

As consequências funcionais disso são várias, tendo dificuldade nos relacionamentos íntimos, pessoais e até profissionais e sociais, levando em casos extremos a pessoa ficar confinada em casa, com esquivamento social extremo, até com compromissos familiares.  

Também podem ter prejuízos no desempenho acadêmico (faltas escolares, notas baixas), nas funções familiares (como pai, irmão, cuidador), nas funções profissionais (falta ao trabalho, perda de emprego).  

Cerca de 20% dos jovens com o transtorno relatam evasão escolar principalmente devido aos seus sintomas. Os indivíduos podem ficar confinados à sua casa por anos devido aos sintomas do TDC, inclusive levando alguns a serem internados em hospitais psiquiátricos.  

A prevalência entre adultos é de 1,8 a 2,4% (sendo similar entre o sexo masculino e feminino), sendo alta em pacientes dermatológicos (9 a 15%), entre pacientes norte-americanos de cirurgia estética (3 a 16%), e de 8% a 10% entre pacientes odontológicos ou que se submetem a cirurgia facial ou maxilofacial.

A média de idade de início do TDC é 16 a 17 anos, podendo ter início entre 12 e 13 anos, onde já começam a relatar alguns sintomas e preocupações. Dois terços dos indivíduos têm início do transtorno antes dos 18 anos.  

O transtorno também ocorre em idosos, mas pouco é sabido a seu respeito nessa faixa etária. Os indivíduos com início do transtorno na adolescência têm maior probabilidade de tentar suicídio, de apresentar mais comorbidade com outras doenças psiquiátricas  

Muitos destes indivíduos apresentaram na infância problemas de abandono, negligência e até relatos de abuso infantil. A prevalência de transtorno dismórfico corporal é elevada em parentes de primeiro grau de indivíduos com TOC.

Apesar da prevalência ser semelhante entre os gêneros, indivíduos do sexo masculino podem apresentar mais preocupações referentes aos genitais e as do sexo feminino, maior probabilidade de apresentar um transtorno alimentar comórbido (principalmente quando há preocupações relativas ao peso).  

O transtorno dismórfico muscular (Vigorexia) ocorre quase exclusivamente no sexo masculino, e será melhor abordado em nosso próximo módulo, juntamente com a Ortorexia.

Pode haver alta taxa de suicídio em indivíduos com TDC, tanto em adultos, crianças, ou adolescentes, porém, nestes havendo uma maior incidência, principalmente pela excessiva preocupação com a aparência. O tratamento deve ser feito por equipe multidisciplinar, sendo o diagnóstico feito por um psiquiatra, que muitas vezes irá precisar prescrever um medicamento (para reduzir o pensamento obsessivo, compulsivo e ansioso), e verificar se existe outros transtornos associados, como o Transtorno Obsessivo compulsivo, muitas vezes associado ao TDC, ou avaliar se há algum transtorno alimentar associado, no caso de obsessão com o peso ou perda de gordura. Além do psiquiatra, o acompanhamento psicológico é fundamental, pois a psicoterapia também vai ser de enorme ajuda ao paciente, com ótimos resultados sendo alcançados com a terapia cognitivo-comportamental.  

Acompanhamento nutrológico ou nutricional também pode ser de enorme ajuda nos casos que envolvem preocupação com peso e gordura, ou ainda nos casos que falaremos na próxima edição, o transtorno dismórfico corporal com dismorfia muscular (Vigorexia), e a Ortorexia, que ainda não está no DSM-V, mas também é considerada por alguns um novo transtorno alimentar.  

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