FISIOLOGIA DO RESULTADO

Fisiologia do Resultado: Necessidade de suplementação no vegetarianismo e veganismo

Hoje vamos discutir a necessidade de alguns suplementos em pacientes vegetarianos e veganos, incluindo atletas

Fisiologia do Resultado: Necessidade de suplementação no vegetarianismo e veganismo O cálcio é fundamental na dieta do atleta
Crédito: BANCO DE IMAGENS
- Tatiana Camargo Pereira Abrão - Médica Endocrinologista e Nutróloga
- Paulo Cavalcante Muzy - Médico Especialista em Ortopedia e Traumatologia 

Vamos começar com micronutrientes, onde alcançar a suficiência é uma preocupação em potencial para todos os atletas. 
O AND (Academy of Nutrition and Dietetics) sugere maior atenção à ingestão de vitamina B12, ferro, zinco, cálcio, iodo e vitamina D, quando se prescreve uma dieta vegana (Craig et al, 2009), podendo levar a deficiência destes, resultando em prejuízos tanto na saúde quanto no desempenho físico [Appleby et al, 2016; Kreider et al, 2010]. 
Os veganos apresentam maior risco de desenvolver deficiência de vitamina B12 (cobalamina), devido à ausência de produtos animais e laticínios (Pawlak et al, 2016). A cobalamina é sintetizada no rúmen (parte do estômago) de bovinos e ovelhas. Os seres humanos normalmente consomem cobalamina pré-formada de produtos animais, que são as principais fontes de B12 na dieta (Trusswell,2007). Fontes de vitamina B12 de origem vegetal são incomuns, a menos que a planta tenha sido contaminada por estrume ou resíduos animais.
A cobalamina é essencial para o funcionamento normal do sistema nervoso, metabolismo da homocisteína e síntese de DNA, sendo que sua insuficiência ou deficiência pode levar a alterações morfológicas das células sanguíneas, inclusive desenvolvimento de doenças hematológicas e sintomas neurológicos, como anemia megaloblástica e neuropatia (Andrès et al, 2009). 
A deficiência de cobalamina a longo prazo pode levar a danos neurológicos irreversíveis e dados indicam que o veganismo pode levar a deficiência, se a cobalamina não for suplementada (Phillips, 2005). Dados do estudo de coorte EPIC-Oxford, realizado no Reino Unido e publicado no European Journal Clinical nutrition em 2010, indicou que aproximadamente 50% dos participantes veganos eram deficientes em vitamina B12 e cerca de 21% destes tinham níveis muito baixos desta vitamina.
Uma forma de obter fontes de vitamina B12 em uma dieta vegana seria consumir no café da manhã cereais fortificados com B12, leveduras nutricionais adicionadas aos alimentos e suplementos dietéticos da vitamina.
Suplementos de vitamina B12 contem tipicamente cianocobalamina, embora outras formas como metilcobalamina e hidroxocobalamina possam estar disponíveis por prescrição. Isso importa, porque nosso organismo tem capacidade limitada de absorver suplementos de vitamina B12 por via oral, limitada pela presença de fator intrínseco, uma glicoproteína secretada pelas células parietais do estômago que liga-se na B12 antes da absorção na parte distal do nosso intestino delgado (íleo). Dessa forma, a cada 500μg de suplemento oral, apenas 10μg pode ser absorvido. Devido a esta baixa biodisponibilidade, gotas sublinguais, pastilhas e produtos transdérmicos foram desenvolvidos e comercializados na tentativa de oferecer melhor absorção.
É muito importante que vegetarianos e veganos se preocupem em complementar a alimentação com vitamina B12, sendo aconselhado o consumo de alimentos fortificados, ou ainda suplementação diária de cobalamina para garantir ingestão adequada da vitamina. A ingestão dietética recomendada diariamente (IDR) para a vitamina B12 é de 2,4μg/dia para adultos de ambos os sexos. Veganos têm a recomendação de suplementação de até 6μg/dia, segundo fontes do NCBI (National Center for Biotechnology Information) publicadas em 2016. 
Além disso, é aconselhável que veganos e vegetarianos devam ter níveis séricos de B12 monitorados por médico se houver suspeita ou evidência de deficiência, principalmente se o indivíduo for atleta.
São raros os casos, mas injeções subcutâneas ou intramusculares podem ser indicadas em alguns contextos, entre eles cirurgia bariátrica prévia, gastrite atrófica e doença celíaca, o importante é monitorar e observar o indivíduo para impedir a deficiência.
Quanto a suplementação de ferro, se houver dieta rica em cereais integrais e leguminosas, vegetarianos e veganos podem consumir quantidades similares de ferro a onívoros (Davey et al, 2003; Craig, 2009). Porém, a biodisponibilidade do ferro de origem vegetal (encontrado na forma não-heme) pode ser menor que a do ferro de fonte animal (heme) e a sua absorção é menor (Hunt, 2002).
Aliado a isso, dietas veganas costumam conter grande quantidade de inibidores dietéticos que reduzem a absorção de ferro da dieta, como os taninos (polifenois encontrados no café, chá e cacau) e fitatos (encontrados em grãos integrais e leguminosas).
Ainda, pesquisas incluindo o estudo EPIC-Oxford, sugerem que mulheres veganas possuem menor estoque de ferro do que as onívoras, além de estarem mais sujeitas a anemia por deficiência de ferro, o que não foi observado entre homens (Waldmann et al, 2004; Longo e Camaschella, 2015). 
A anemia ferropriva é causada por consumo ou absorção insuficiente de ferro, com diminuição nos glóbulos vermelhos e da hemoglobina, levando a sintomas como cansaço, fadiga, fraqueza, falta de ar e tolerância diminuída ao exercício. Mesmo a deficiência de ferro sem o desenvolvimento de anemia já pode reduzir a capacidade de endurance, além de aumentar o gasto energético e prejudicar a adaptação ao exercício resistido, principalmente em mulheres (Burden et al, 2015).
Contudo, nosso organismo pode regular a absorção de ferro baseado nas concentrações sanguíneas do mineral, ou seja, concentrações baixas podem levar ao aumento da absorção intestinal e a redução da secreção no mesmo, a fim de manter o equilíbrio. Isso pode explicar o porquê vegetarianos e veganos, de modo geral, se adaptam a absorção reduzida de ferro de origem animal (Dagnelie et al, 1989). 
Hunt, no entanto, recomenda que a ingestão de ferro para vegetarianos seja aumentada em 80%, para que assim homens e mulheres adultos alcancem o nível de ingestão de 14mg/dia e 33mg/dia, versus a dose diária recomendada de 8mg/dia e 18mg/dia, devido à biodisponibilidade diferente do ferro de origem vegetal e animal (Hunt. 2002). 
A ingestão elevada de ferro para vegetarianos e veganos exige cautela, baseada no fato de que altas ingestões podem aumentar a suscetibilidade a doenças cardíacas e câncer (Kelly C.,2002) e podem afetar a biodisponibilidade de outros minerais, principalmente o cobre. 
A forma heme do ferro, ou seja, a disponível em fonte animal, não consegue regular a diminuição de sua absorção, então o alto consumo de ferro de fonte animal ou a ingestão de suplementos com ferro de forma não controlada pode ser prejudicial. 
A absorção de ferro não heme pode ser otimizada com o consumo concomitante de vitamina C na mesma refeição, em forma de frutas ou vegetais escuros, por exemplo.
Ainda de modo geral, atletas veganos e vegetarianos podem optar por fontes de ferro integrais, reduzindo o consumo de alimentos contendo inibidores, como chá, café e cacau (ao consumir alimentos ricos em ferro). Além disso, processos alimentares como fermentação, imersão, grãos germinados e todo processo que ajude a aumentar a fitase, quebrando os fitatos, ajudam na absorção do ferro (e outros minerais, como zinco).  
No caso de indivíduos mais propensos à deficiência de ferro, ou seja, mulheres com grande fluxo menstrual, é aconselhável monitorar o ferro sérico e sua reserva corporal e assim se houver necessidade, indicar a suplementação ser necessário.
Quanto ao zinco, ele é constituinte de enzimas envolvidas no metabolismo, no crescimento celular, em processos que se relacionam com a estabilização do DNA e expressão gênica, além de reparação e metabolismo proteico.  Da mesma forma que o ferro, o zinco é amplamente disponível em alimentos vegetais. Nosso organismo também se adapta ao menor consumo de zinco, reduzindo perdas e aumentando a absorção intestinal, a fim de manter equilíbrio (Marsh e Saunders, 2012). 
Mesmo alguns estudos sugerindo que vegetarianos não precisem de suplementação de zinco, o Instituto Americano de Medicina, sugere que vegetarianos aumentem o consumo em até 50%, devido à baixa biodisponibilidade, ou seja, pelas fontes vegetais de zinco conter fitato (assim como no caso do ferro), como feijão, grãos integrais, nozes e sementes. Desse modo, a exemplo do caso do ferro, procurar consumir alimentos fermentados, imersos em água previamente e grãos germinados podem diminuir os fitatos, melhorando a absorção do zinco. Além disso, deve-se consumir alimentos ricos em zinco, como abóbora, sementes de cânhamo, grãos, nozes e feijões. A proteína da dieta também aumenta a biodisponibilidade do zinco. 
Uma observação importante é que, caso seja necessária a suplementação, que se evite fazer com o consumo ou suplementação de ferro, cálcio, cobre e magnésio, pois estes oligoelementos podem diminuir a biodisponibilidade.
O cálcio é um mineral muito importante para o organismo, sendo necessário para coagulação sanguínea, transmissão nervosa, estímulo neural, contração muscular, metabolismo da vitamina D e manutenção da estrutura óssea (Ross et.al, 2011).  Estudos sugerem que veganos consomem menos cálcio do que os onívoros e outros vegetarianos, o que se explica pelo cálcio existir em abundância no leite e em derivados lácteos, como queijos e iogurtes (Davey et.al, 2003). 
De fato, uma metanálise publicada em 1995 no American Journal of Clinical Nutrition, constatou que veganos canadenses consumiam apenas 578mg/dia em comparação com 950mg/dia em onívoros e 875mg/dia em ovolactovegetarianos, e ainda que veganos podem ter maior risco de fratura devido ao menor consumo de cálcio. Isso é mais problemático quando em crianças e adolescentes, onde há maior necessidade de ingesta de cálcio para o desenvolvimento ósseo, já descrito em muitas literaturas (Theobald He, 2005). Como ocorre com outros minerais, a exemplo do ferro e do zinco, o corpo parece ser capaz de regular o nível de cálcio durante períodos de baixo consumo alimentar do mesmo. 
Quando a ingestão habitual de cálcio é baixa e a vitamina D está presente, uma proporção aumentada de cálcio é absorvida da dieta. Ainda a menor ingesta proteica de uma dieta vegana pode contribuir para maior retenção de cálcio, porque dietas ricas em proteínas aumentam a excreção de cálcio urinário (Heaney RP, 2007). Esta informação exige cuidado pois existem outras evidências mostrando que dietas ricas em proteínas não têm efeito sobre a retenção de cálcio e em alguns casos, ainda cálcio e proteína trabalham sinergicamente para melhorar a retenção de cálcio e o metabolismo ósseo (Campbell et al, 2007).
O cálcio é fundamental na dieta do atleta, inclusive na manutenção da saúde esquelética durante exercícios resistidos e levantamento de peso, além do que pode haver aumento das perdas de cálcio durante transpiração intensa. A necessidade de cálcio aumenta e se faz essencial em alguns casos, como restrição calórica, amenorreia e em alguns casos de tríade da mulher atleta.
No entanto, propõe-se que a RDA para cálcio (1000mg/dia) é suficiente para satisfazer os requisitos de atletas na maioria dos casos e, apesar dos fatores mencionados, sugere-se que atletas não têm exigência elevada para o nutriente em geral (Kunstel k., 2005).
Assim, atletas veganos devem consumir fontes vegetais de cálcio, como feijões, leguminosas e vegetais verdes em quantidades suficientes para alcançarem a recomendação de 1000mg/dia. Brócolis, acelga chinesa e couve são particularmente ricas em cálcio; vegetais verdes, como espinafre e rúcula contem oxalato, o que prejudica a absorção de cálcio. Veganos portanto, devem procurar optar por fontes vegetais de cálcio que contenham baixos níveis de oxalato. 
Além disso, estão disponíveis alimentos ‘vegan-friendly’ fortificados com cálcio, como leite de soja, leite de amêndoas e sucos de frutas enriquecidos com cálcio e este contém cálcio em forma bem absorvível, muitos veganos consomem tofu com cálcio, que além disso, também é fonte de proteína. 
Somente se uma dieta vegana não conseguir atingir níveis suficientes de cálcio se deve pensar em seu suplemento oral, pois suplementação em excesso deste mineral pode levar ao aumento do risco de aterosclerose, doenças cardiovasculares e de cálculos renais (Bolland MJ et al, 2000; Bostick Rm et al, 1999; Isso H. et al, 1999; Autier e Gandini, 2007).
Sempre procurar um médico ou nutricionista caso decida fazer dieta onde haja qualquer restrição, inclusive não iniciar suplementação de micronutrientes, vitaminas e macronutrientes sem o acompanhamento de um profissional especializado. 

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