FISIOLOGIA DO RESULTADO

Fisiologia do Resultado: Vegetarianismo e Veganismo

Se mal introduzidas estas dietas podem predispor a deficiências nutricionais

Fisiologia do Resultado: Vegetarianismo e Veganismo A deficiência de vitamina B12 é associada a uma elevação da homocisteína no sangue
Crédito: BANCO DE IMAGENS
- Dra. Tatiana - Médica Endocrinologista e Nutróloga 
- Dr. Paulo Cavalcante Muzy - Médico especialista em Ortopedia e Traumatologia

Na edição passada, falamos sobre conceitos, benefícios e o impacto das dietas veganas e vegetarianas na redução de doenças crônicas baseadas em evidências. Nesta edição, iremos falar sobre o fato de que se mal introduzidas ou elaboradas, a adoção destas dietas pode predispor os indivíduos a deficiências de macronutrientes (proteínas, ácidos graxos essenciais e ômega 3), e também de alguns micronutrientes, como vitamina B12, vitamina D, ferro, zinco, cálcio, iodo e colesterol (Appleby et al, 2016: Marsh e cols, 2012; Mann, 2009; Bresnaham e cols, 2016).
A deficiência de vitamina B12 é associada a uma elevação da homocisteína no sangue (Obersby D. e cols, 2013) e a deficiência desta vitamina pode tanto aumentar fatores de risco para doença cardiovascular (McNulty e cols, 2008), quanto estar associada a desordens neurológicas, sendo isso já estudado e publicado em guidelines e estudos. 
No EPIC-Oxford, um grande estudo prospectivo sobre câncer e nutrição avaliando 65.429 participantes do Reino Unido incluindo muitos vegetarianos, foi constatado que veganos tiveram incidência 30% maior de fratura dos que indivíduos que comiam carne, sendo isso notado em estudo publicado no JCEM, em 2008 por Mc Lean e col. Porém, quando era corrigida a ingestão de cálcio, essa incidência de fratura aumentada era corrigida. 
Estudos ainda preconizam a ingestão de ácidos graxos ômega 3 na dieta de vegetarianos e veganos (Craig, 2010; Rosell M.S. e cols, 2005; Leitzmann C. e cols, 2005). Isto é de particular preocupação se pouca atenção é dada ao acomodar para os nutrientes que são excluídos devido à eliminação de produtos animais da dieta.
Em algumas modalidades esportivas, como força, esportes de combate, ginástica olímpica e patinação, podemos ter balanço energético negativo, ou seja, a dieta não oferece energia suficiente para o equilíbrio energético, isso também pode acontecer em fases de treinamento de longa duração e aumento da intensidade, além disso, esportes que exigem baixa massa corporal e atletas do sexo feminino podem correr o risco de desenvolver baixa densidade mineral óssea e é provável que isso seja exacerbado por uma dieta hipocalórica mal confeccionada (Bratland-Sanda e cols, 2013). 
Outros fatores, como diminuição do apetite, viagens constantes, dificuldade de alimentação fora de casa e distúrbios gastrointestinais podem dificultar ainda mais atingir o consumo energético necessário (Potgieter, 2013). Como consequência, podemos ter comprometimento da imunidade, prejudicando tanto o treinamento quanto as competições.
A perda de peso pode levar a perda de massa e força muscular, perda da performance e desempenho. Quando falamos de dieta vegetariana, ainda podemos ter agravamento pela saciedade precoce e redução do apetite comuns nestas dietas.
A Sociedade Internacional de Nutrição Esportiva (ISSN) recomenda que os requisitos de energia sejam calculados tanto para nível de modalidade de atividade, quanto para massa corporal afim de que se garantam as necessidades específicas de cada indivíduo atleta (Kreider, 2010; Potgieter, 2013). 
Muitos dados indicam que veganos consomem menos energia do que onívoros. Pesquisas até sugerem que dietas vegetarianas geralmente são mais pobres em proteínas, gorduras e alguns micronutrientes já citados, em comparação com uma dieta onívora. 
Algumas dietas veganas promovem consumo apenas de alimentos crus. Os dados sugerem que essas dietas podem levar a má absorção de macronutrientes e perda de peso, quando consumidas sem acompanhamento, pois levam a um consumo muito alto de fibras (Philips, 2005; Woo e cols, 2014), e por serem compostas de alimentos à base de plantas, tendem a ter baixa densidade energética e promover precocemente à saciedade (Slavin e cols, 2007). 
Isso pode ser útil para perda de peso, da mesma forma que pode levar a problemas para suprir a dieta de alta caloria. Neste caso, podemos aumentar a frequência alimentar e de consumo de alimentos de maior densidade calórica, como oleaginosas (nozes, sementes e óleos). 
O ISSN fornece ampla recomendação proteica de 1,4–2,0g/kg/dia, o que provavelmente é apropriado para atletas, podendo inclusive necessitar de mais proteínas, no caso de alguns esportes de força e fisiculturismo. 
Atletas veganos, no entanto, parecem consumir menos proteínas do que suas contrapartes onívoras e vegetarianas (Venderley e cols, 2006). A otimização do consumo de proteínas para atletas veganos requer atenção à quantidade e qualidade de proteína consumida (Phillips, 2016). 
Fontes de proteína à base de plantas são muitas vezes incompletas, faltando importantes aminoácidos essenciais, e contêm menos aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs) do que seus equivalentes baseados em proteína animal (Campbell e cols, 2007; Phillips, 2004).
 A leucina parece ser um gatilho principal da síntese proteica muscular (SPM) e desempenha um importante papel na promoção da recuperação e adaptação muscular ao exercício. Evidências sugerem tanto que proteínas à base de leite podem ser superiores a outras proteínas fontes de promoção da SPM, mediadas em partes pela riqueza do seu conteúdo de BCAA (Hartman e cols, 2006), quanto que o consumo do leite como parte de uma dieta acompanhada de um programa de treinamento de resistência leva a melhor hipertrofia muscular quando comparado ao consumo de suplemento de proteína de soja, ou seja, vegano (Volek e cols, 2013; Wilkinson e cols, 2007), provavelmente pela superioridade do leite em sua composição de aminoácidos. 
Proteínas vegetais muitas vezes são pobres em lisina, metionina, isoleucina, treonina e triptofano. Destes, a lisina parece ser mais comumente ausente, particularmente em grãos e cereais (Young e cols, 1994). 
Alimentos como feijão e legumes são ricos em fontes de lisina, no entanto, a leucina pode ser obtida da soja e lentilhas. Também podemos encontrar BCAAs em sementes, nozes e grão de bico, o que significa que podemos obter estes aminoácidos consumindo uma variedade de proteínas vegetais, sendo isso já recomendado pela Academia de Nutrição e Dietética (AND), afim de que seja atingida a necessidade diária destes aminoácidos essenciais e de BCAAS. 
Suplementos proteicos vegetais podem ser interessantes para atletas veganos, particularmente se não conseguirem atingir a necessidade proteica diária. Temos suplementos de soja, ervilha, arroz, cânhamo, e ainda mistura dessas descritas, como blend proteico vegetal. A digestibilidade da proteína vegetal parece ser menor que a dos produtos animais, o que pode ser levado em conta ao projetar uma dieta vegana.
A exceção se faz a soja, que tem digestibilidade similar a da whey protein isolada. De fato, tem sido sugerido que os vegetarianos podem precisar consumir mais proteína do que onívoros para compensar a menor digestibilidade das proteínas vegetais (Kniskern e cols, 2011). Assim, pode ser prudente para os atletas veganos a ingestão proteica acima da recomendação do ISSN, ainda mais em alta demanda energética. 
Dietas veganas tendem a ser mais ricas em carboidratos, fibras, frutas, vegetais, antioxidantes e fitoquímicos do que dietas onívoras.
Geralmente é sugerido o consumo de carboidratos entre 4 a 12g/kg/dia para atletas, dependendo do volume de treinamento, modalidade de exercício, sexo e objetivo da dieta (Potgieter, 2013).
Conseguir uma ingestão adequada e satisfatória de carboidratos através de uma dieta vegana é relativamente simples, pelo consumo de grãos, legumes, feijão, tubérculos, raízes e frutas. Inclusive para atingir a necessidade proteica na dieta vegana, é recomendado o consumo destes. Porém, esses alimentos são ricos e fontes de fibra, sendo mais resistente à digestão e absorção, além de promover a saciedade precoce e prolongar a sensação de saciedade. Isso pode ser ruim para atletas que necessitam de maior consumo de energia, além de poder dificultar a meta de proteínas e carboidratos a adequação pode ser difícil para alguns. 
É observado desconforto gástrico e abdominal pelo consumo de lecitinas em alimentos como feijão, grãos, nozes e batatas (Van Buul e cols, 2014), também provocado pela fermentação de amido e carboidratos indigeríveis, como os encontrados na aveia, ervilha, feijões, frutas, lentilhas e em alguns vegetais. Para isso, atletas veganos que necessitam de alto consumo de carboidrato devem escolher carboidratos com baixo teor em fibras (arroz, macarrão, trigo saraceno), levando em conta manter os micronutrientes suficientes (particularmente vitaminas do complexo B).
A remoção da pele de tubérculos, vegetais e raízes ajuda a reduzir o teor de fibras destes alimentos, mantendo os níveis de carboidratos. Quanto ao uso de suplementos de carboidratos, por serem vegan-friendly, seu consumo é viável para a maioria dos atletas veganos. 
O consumo de frutas ou sucos de frutas fornece glicose e frutose, sendo excelente para consumo antes do treino (ligando-se em receptores Glut-4 e glut-5).
As dietas veganas são tipicamente mais baixas em gorduras totais e saturadas e maior em gorduras n-6 do que onívoros e vegetarianos dietas [Clarys e cols, 2014; Davey e cols, 2003]. A gordura é necessária para o metabolismo de hormônios esteroides, incluindo o colesterol. 
Se por um lado foi citado em 1997 por Volek que a dieta com baixo teor de gordura pode influenciar negativamente o nível de testosterona em homens, Allen e col. publicaram em 2000 concluindo que veganos não têm estatisticamente níveis de andrógenos (hormônios masculinos) menores que os de onívoros. É necessário ainda mais estudos a respeito desta correlação.
Podemos alcançar valores recomendados de 0,5 – 1,5 g/kg/dia de consumo de gordura na dieta vegana (ou 30% da ingestão calórica diária) para atletas veganos com o consumo adequado de oleaginosas, óleos, abacates e sementes. 
Contudo, como não consomem gorduras de origem marinha, os veganos possuem menores níveis séricos de ácidos graxos n-3 do que onívoros e outros vegetarianos [Dinu e cols,2016; Rosell e cols, 2005]. Isso pode ter importante implicações na saúde e desempenho. Os ácidos graxos n-3 são importantes para o crescimento e desenvolvimento normais, e parecem desempenhar um papel importante na saúde cardiovascular, em doença inflamatória e crônica (Harris e cols, 2008), e várias evidências mostram seu poder anti-inflamatório, anti-trombótico, anti-arrítmico, vasodilatador, anti-proliferativo e hipolipemiante, diminuindo triglicérides. Ainda podem melhorar a bronco constrição induzida pelo exercício (BIE) e também a imunidade (Mikleborough e cols, 2008). 
Apesar de tanto ácidos graxos n-6 e n-3 serem essenciais, os ácidos graxos n-3 de cadeia longa EPA (ácido eicosapentaenoico) e ácido docosahexaenóico (DHA) são sub-consumidos na dieta ocidental, e em veganos isso se agrava (Craig e cols, 2009; Rosell e cols, 2005). 
A principal fonte de DHA são peixes de água fria e frutos do mar. Temos baixíssima capacidade de converter o ácido alfa-linolênico n-3 (ALA) por via enzimática em EPA (8% em humanos, ainda com inúmeras variáveis), e aproximadamente 0,5% deste é convertido em DHA, extremamante pouco (Williams e cols, 2006). 
O óleo de microalgas é rico em DHA (e EPA) e pode ser um suplemento útil para veganos e vegetarianos. Suplementos com microalgas e óleo são vegan-friendly e têm demonstrado aumentar ambos os níveis de EPA e DHA no sangue (Conquer e cols, 1996).
Fontes alimentares do n-3 ALA, como sementes de linho, nozes e sementes de chia, além de serem precursores de lignana, também são benéficas a saúde. A chia ainda é uma boa fonte proteica. 
Veganos podem suprir a ingestão de ácidos graxos n-3 consumindo fontes alimentares de ALA associada ao óleo de microalgas (fonte de DHA). Encontramos na literatura a recomendação diária para atletas de 1 a 2 g/dia de EPA e DHA na proporção de 2:1 (Simopoulos e cols, 2006). Conseguimos atingir a dose de DHA de 0,5 a 1g/dia consumindo 1 a 2g de óleo de microalgas, ou ainda ingerindo de 2 a 4 cápsulas da maioria de ômega 3 encontradas em produtos comercializados deste suplemento.
 Ainda faltam pesquisas para concluir a dose necessária para trazer benefícios a atletas destes ácidos graxos essenciais. Sugerimos o acompanhamento de nutricionista ou médico, tanto para o consumo de qualquer suplemento, quanto para a adoção de dieta vegetariana ou vegana.

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