FISIOLOGIA DO RESULTADO

Fisiologia do Resultado: Vegetarianismo e Veganismo

Conceitos, benefícios e impacto na redução de doenças crônicas baseados em evidências

Fisiologia do Resultado: Vegetarianismo e Veganismo A dieta vegetariana vem crescendo progressivamente na população em geral
Crédito: BANCO DE IMAGENS
Dra. Tatiana Camargo Pereira Abrão - Médica Endocrinologista e Nutróloga
Dr. Paulo Cavalcante Muzy - Médico especialista em Ortopedia e Traumatologia

A dieta vegetariana, caracterizada pela abstenção do consumo de carne e produtos cárneos, aves, frutos do mar e carne de qualquer outro animal, vem crescendo progressivamente na população em geral (Leitzmann, 2014). As razões para a adoção desse perfil alimentar são variáveis, passando por questões morais, éticas, filosóficas, religiosas, ambientais e culturais e muitos estão adotando o vegetarianismo e o veganismo em busca dos benefícios à saúde (Craig e Mangels, 2009; Leitzmann, 2014). 
De uma maneira geral, podemos determinar as formas de vegetarianismo baseados na inclusão ou exclusão de produtos derivados de animais, desta forma temos:
O vegetariano estrito, ou vegano, que não consome carne, ovo, leite, mel e nenhum produto que inclua derivação animal entre seus ingredientes, ou seja, nada que contenha gelatina, albumina, proteínas do leite (como whey protein, por exemplo), nem alguns tipos de corantes e espessantes alimentícios. 
O ovovegetariano não consome carne e laticínios, mas consome ovos; o lactovegetariano não consome nenhum tipo de carne e ovo, mas consome produtos derivados do leite; e o ovolactovegetariano, que é o vegetariano que não consome nenhum tipo de carne, mas consome laticínios e ovos. 
Ainda temos variações importantes de serem citadas, por estarem inclusas em artigos científicos, como os pescetarianos, ou peixeovolactovegetarianos, que consomem peixes, frutos do mar, ovos e laticínios, porém não consomem outras carnes além das de peixes e os semi-vegetarianos, que são em sua maioria ovolactovegetarianos e ocasionalmente, consomem carne animal, mas nunca mais que uma vez por semana. Ainda existe o tipo de vegetarianismo que pode variar de continente para continente, por exemplo, na Europa e continente Norte-americano, há prevalência de ovolactovegetarianos e na Ásia há predomínio de vegetarianos estritos. 
A dieta vegetariana vem apresentando interesse relevante entre a população, tanto por muitos formadores de opinião terem se tornado vegetarianos e aumentarem a visibilidade do veganismo, quanto pela divulgação em redes sociais e internet, havendo assim maior acesso e compartilhamento de informações sobre as mesmas, além da troca de experiências e discussão de opiniões. 
Os vegetarianos tendem a ser mais conscientes para a prática da vida saudável, geralmente são mais magros e muitas vezes mais saudáveis quando comparados aos onívoros; os benefícios da dieta vegetariana para a saúde têm sido relatados e descritos por vários estudos nos últimos 50 anos. Mudanças recentes no estilo de vida, representadas pela dieta ‘ocidental’ com alto teor de gordura e açúcar, aumentaram a preocupação do público, pois contribuem para a crescente epidemia de doenças metabólicas e cardiovasculares em países desenvolvidos e em desenvolvimento em todo o mundo. Por outro lado, sabe-se que um alto consumo de alimentos derivados de plantas, como frutas, verduras, nozes e sementes, está associado a um menor risco de doenças crônicas e câncer. 
A dieta vegetariana é muito rica em fibras e alimentos vegetais, provocando saciedade precoce com alimentos de baixa densidade calórica, o que, de um lado ajuda o indivíduo a perder peso, porém, prejudica atingir a necessidade calórica diária em quem necessita de energia, como praticantes de endurance; mas, isso precisa ser ajustado por um profissional, tanto no aumento da frequência alimentar, quanto no consumo de alimentos com alta densidade calórica, como fontes de gordura (sementes, castanhas, oleaginosas). Principalmente no caso de atletas e praticantes de atividade física moderada a intensa, o monitoramento e ajustes da dieta visa manter as necessidades individuais de nutrientes e energia e pode evitar flutuações de peso, déficits nutricionais e perda da performance. 
Quanto aos benefícios alegados e comprovados da dieta vegetariana, temos que a mesma é rica em fibras, magnésio, ferro vegetal, ácido fólico, vitaminas C e E, Ômega 6, fitoesteróis e antioxidantes (dentre eles, polifenóis e resveratrol); além disso, estudos mostram que, somados a estes benefícios descritos, o consumo de carboidratos vegetais pode melhorar o desempenho físico, além de ajudar na performance e na recuperação muscular (Fuhrman et al, 2010; Venderley et al, 2006). Porém, ainda precisamos de mais pesquisas sobre o veganismo no esporte, visto que muitas pesquisas ainda são empíricas e alguns trabalhos não apresentaram dados conclusivos. Dados sobre o vegetarianismo e veganismo em atletas, assim como sua suplementação, serão abordados na próxima edição. 
Estudos recentes sugerem que indivíduos vegetarianos possuem redução do LDL (colesterol ruim), da pressão arterial, do risco de doença cardiovascular, da incidência de diabetes tipo 2 e também de câncer, além de muitos deles demonstrarem redução do peso e da incidência de sobrepeso e obesidade neste grupo. 
Uma meta-análise publicada ano passado na Critical Rewiews in Food Science and Nutrition foi a primeira revisão sistemática a analisar todos os dados disponíveis avaliando dietas veganas e vegetarianas de diferentes tipos de estudos (observacionais, como coorte e transversais) em relação a diferentes parâmetros de saúde, além de seus desfechos.  
Analisando os estudos transversais, 56 mil indivíduos com padrão alimentar baseado em consumo vegetariano apresentaram níveis significativamente menores de IMC, colesterol total, LDL-colesterol, triglicérides e glicemia, quando comparados com os não vegetarianos (indivíduos onívoros). Esses efeitos benéficos da dieta vegetariana no colesterol total e LDL são justificados principalmente pela menor ingestão de gorduras totais e saturadas, somados ao grande consumo de alimentos conhecidos por diminuir esses parâmetros, como soja, legumes, nozes e óleos vegetais. Já o menor índice de massa corporal encontrado nas pessoas vegetarianas está ligado ao menor consumo de energia geralmente relatado nesta população, não sendo um achado surpreendente. Ainda neste estudo, a análise dos estudos coorte prospectivos mostraram em vegetarianos uma redução de 25% tanto na incidência quanto na mortalidade por cardiopatia isquêmica (Ashen, 2013) e foi observada ainda uma redução de 8% na incidência de câncer de qualquer causa.
Em uma outra meta-análise publicada em 2015 no JAHA (Journal American Heart Association), Wang e col. concluíram que dietas vegetarianas podem efetivamente diminuir o colesterol total, o colesterol ruim (LDL), mas também podem baixar o colesterol bom (HDL); essas ações são explicadas por vários fatores: as dietas vegetarianas são pobres em colesterol, gordura total e ácidos graxos saturados, o que leva a menor absorção e conversão sanguínea do colesterol. Além disso, dietas vegetarianas fornecem alta ingestão de fibras, fitoesteróis, fenólicos, carotenóides, flavonóides, indóis, saponinas e sulfetos, através da ingestão de frutas, vegetais, grãos integrais, leguminosas, nozes e derivados da soja. Todos estes elementos exercem bastante influência na diminuição dos níveis de colesterol por meio de múltiplos mecanismos. Os fitoesteróis reduzem a absorção do colesterol intestinal competindo com o colesterol por um local nas micelas mistas; os fenólicos inibem a oxidação do colesterol ruim (LDL), melhorando a saúde cardiovascular. Já os flavonóides e saponinas interrompem a solubilidade das micelas de colesterol, reduzindo sua absorção. Os sulfetos (ou compostos organosulfurados) diminuem o colesterol total e o LDL, inibindo a síntese dos mesmos. Já a diminuição do HDL pode ser explicada pelos mesmos mecanismos, além de ser também explicada por uma redução na produção de apolipoproteína AI.
Uma meta-análise publicada na Nutrients ano passado avaliou a adesão a uma dieta vegetariana e o risco de diabetes e concluíram que a dieta vegetariana estava inversamente associada tanto a incidência quanto a prevalência de diabetes; ainda foi observada menor resistência à insulina e menor hemoglobina glicosilada (um índice que mostra descontrole glicêmico nos últimos três meses da coleta) entre os vegetarianos em comparação aos onívoros. Em outra meta-análise publicada em 2014, Yokoyama e col. também constataram que a dieta vegetariana levava a diminuição significativa da hemoglobina glicosilada em pacientes diabéticos tipo 2. 
Alguns fatores podem explicar esses achados: o IMC é geralmente menor na população vegetariana e a obesidade é um grande fator de risco tanto para o desenvolvimento quanto para o agravamento do diabetes. Além disso, o consumo de grãos integrais, frutas e vegetais (principalmente raízes e folhas verdes, ricos em fibras, betacaroteno, vitamina C e magnésio) tiveram efeitos benéficos na prevenção do diabetes, evitando simultaneamente o consumo de alimentos que aumentam o risco, como carnes vermelhas e processadas e bebidas açucaradas. Muitas meta-análises já relataram a associação positiva entre dieta rica em carnes vermelhas ou processadas e risco de diabetes; já é sabido que a nitrosamina e os produtos finais de glicação avançada em carnes processadas podem contribuir para o desenvolvimento do diabetes. Aliado a isso, o consumo de carne fornece quantidades substanciais de ferro heme, o que pode acelerar o estresse oxidativo, aumentando a resistência à insulina e piorando o metabolismo da glicose.
Foi observado que os veganos, em particular, apresentavam menores chances de diabetes, quando comparados a outros tipos de vegetarianos, o que pode ser explicado tanto pelo maior consumo de vegetais e fibras e pela menor ingesta calórica, quanto pelo menor consumo de derivados lácteos (que podem ser ricos em gorduras e açúcares), quanto de ovos (as gemas são ricas em colesterol); ainda os veganos tinham níveis mais baixos de lipídios intramiocelulares (gordura dentro das células musculares),  relacionados à resistência à insulina.
Quanto aos efeitos da na pressão arterial, uma meta-análise publicada por Yokoyama e col. em 2016, concluiu que a dieta vegetariana leva tanto a redução da pressão sistólica quanto da diastólica, com efeitos e por razões já sugeridas pelo DASH study, estudo multicêntrico que avaliou abordagens dietéticas para controle pressórico (NEJM,1997), onde uma dieta com alto consumo de frutas, vegetais e derivados do leite com baixo teor de gordura e sódio (DASH Diet) podem reduzir substancialmente a pressão arterial. 
Há evidências que vegetarianos têm menor incidência de câncer do que os não vegetarianos; isso pode ser explicado porque uma dieta vegetariana pode tornar mais fácil consumir o mínimo recomendado de cinco porções diárias de frutas e vegetais, muitos estudos sugerem que a ingestão destes pode reduzir o risco de desenvolver certos tipos de câncer; além disso, os vegetarianos geralmente têm níveis mais baixos de substâncias potencialmente cancerígenas. 
Um artigo publicado no JAMA, onde foi feito seguimento de quase 100 mil adventistas por 15 anos, constatou uma diminuição da incidência de câncer no intestino (cólon e reto) em pacientes vegetarianos. Já quanto ao câncer de mama, um estudo publicado em 2017, na BMC Public Health demonstrou que a dieta vegetariana teve efeito protetor no risco da incidência de câncer de mama, enquanto o consumo de carne, embutidos e processados foram associados a um aumento na incidência do mesmo (Chang et al, 2017). 
Mesmo ainda não tendo dados suficientes para dizer exatamente como uma dieta vegetariana influencia a saúde a longo prazo, conseguimos presumir um aumento da longevidade e da redução de muitas doenças crônicas. Além disso, é mais comum vermos os vegetarianos terem bons hábitos, como não fumar, não ingerir bebidas alcoólicas (ou apenas ocasionalmente) e praticar atividade física. Mas, fica a importante recomendação de ter acompanhamento nutricional ou médico, caso queira adotar o vegetarianismo, ainda mais se você é praticante de atividade física ou atleta, pois pode haver déficits nutricionais e necessidade de suplementação caso necessário. Existe uma particular atenção se o indivíduo é vegano e atleta ou praticante de atividade física moderada a intensa e este será o tema da nossa próxima coluna! Não percam! 

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