FISIOLOGIA DO RESULTADO

Fisiologia do Resultado: Overreaching e Overtraining

Conceitos básicos de seus aspectos clínicos e hormonais

Fisiologia do Resultado: Overreaching e Overtraining Conforme o overreaching caminha para o overtraining, podemos ter alterações clínicas mais evidentes
Crédito: BANCO DE IMAGENS
Paulo Cavalcante Muzy
CRM 115-573-SP
Médico pela Escola Paulista de Medicina – Unifesp/2004. Especialista em Ortopedia e Traumatologia Unifesp/2009. Diretor Médico IFBB Brasil, desde 2011, docente dos Cursos de Medicina Esportiva e Nutrologia Esportiva da Fisicursos/HZM, desde 2012 e docente dos cursos de Medicina Esportiva BWS, desde 2016
 
Tatiana Camargo Pereira Abrão
CRM 95.121-SP
Médica Endocrinologista e Nutróloga. Especialista em Endocrinologia e Metabologia, PUC/SP/2003. Pós-graduada em Nutrologia, USP/Ribeirão Preto/2004. Especialista em Nutrologia – AMB/CFM. Pós-graduada em Medicina do Esporte/2013 e Nutrologia Esportiva/2015

Em um momento você está treinando bem, recuperando-se bem do treinamento e progredindo na sua capacidade de realização de trabalho físico. Insidiosamente a sua progressão cessa e você entra num ‘plateau’ e já não consegue diminuir o tempo da prova, do treino ou das distâncias percorridas ou os pesos levantados. 
Algumas semanas depois você percebe que a sua disposição começa a diminuir. Os pesos levantados diminuem, os intervalos aumentam e você, que tem hora marcada para sair da academia, acaba deixando o treino parcialmente concluído, ou no caso do endurance, começa a notar que o seu pace tem piorado, que sua velocidade média tem caído, que suporta menos tempo de treino ou prova e que as distâncias têm diminuído delicadamente. 
O progresso natural é você tentar descansar mais e espaçar seus treinos, mas o efeito é mantido e agora aparecem dores, que nos levantadores de peso começa geralmente nos ombros e cotovelos, enquanto nos corredores o pesadelo se forma a partir de ‘canelites’ e dores anteriores do joelho. 
Pausa no treino e segue-se a consulta do médico ortopedista: “O senhor vai ficar de repouso por 6 semanas (tempo médio de cicatrização de partes moles), muitas vezes tomando um anti-inflamatório e/ou analgésico, enquanto enfrenta um período de fisioterapia de forma paciente e resignada. Qual não é a sua surpresa quando, depois de passar por tudo isso e retomar sua atividade física, pouco tempo após retomar seus treinos, ainda numa fase precoce, os sintomas começam a retornar para o seu desapontamento”.
 
OVERREACHING
Hoje excepcionalmente vamos falar de overreaching não funcional, que precede o overtraining. Este último é a consequência de não se respeitar os sinais e sintomas que o corpo está trabalhando aquém, abaixo da sua capacidade de geração e recuperação de trabalho. O bom é que saibam reconhecer um overreaching não funcional para que a lesão, que vem quase que obrigatoriamente com o overtraining, não aconteça. 
 De onde ele vem? Segundo Kreher J.B. e Schwartz J.B em seu “Overtraining Syndrome: A practical guide”,de 2012, qualquer atividade que apresente ação muscular excêntrica (injúria mecânica), ação muscular concêntrica (ciclo de isquemia e reperfusão) e ação articular (injúria de movimentação repetitiva), pode levar a uma inflamação sistêmica, que pode gerar um processo de overtraining.
Como reconhecer? Dentre os sintomas, temos: depressão, perda de motivação, fadiga sustentada, insônia, irritabilidade, inquietação, anorexia, perda de concentração, ansiedade e perda de peso. 
Quais são os gatilhos principais? Treinamento não periodizado (por profissionais), distúrbios do sono, doença prévia, cortes abruptos de calorias e até tensão familiar.
Quais são as medidas preventivas mais comuns? Várias delas são relacionadas com hábitos de vida e rotina de treino, mas hoje especificamente falaremos como o consumo de proteínas está relacionado e porque o ideal é olhar para o assunto cercados de evidências ao invés de suposições.
Carboidratos são valorizados na alimentação corriqueira, tanto pela cultura quanto pelo paladar, mas não vemos a mesma valorização de gorduras e proteínas. Recentemente gorduras benéficas com propriedades que vão desde controle do apetite à melhora cardiovascular, têm sido estudadas e recomendadas, porém o assunto proteína ainda é um grande tabu que continua dividindo opiniões profissionais.
Para colocar um ponto de início na nossa discussão e mostrar um pouco da importância do adequado uso de proteínas no esporte que irá impactar intimamente na taxa de lesão quando o indivíduo é submetido ao exercício, vale a pena citar o trabalho de WOLFE R.R. (Am J Clin Nutr2000;72(suppl):551S–7S), já que naquela ocasião alertava para a importância das proteínas no esporte por serem capazes de demonstrar o papel delas no metabolismo muscular do indivíduo e por falar sobre síntese e quebra de proteínas (FSR e Breakdown).
Em seu trabalho ele sugere que não só a suplementação do equilíbrio correto é necessária, quanto como o momento de consumo destas proteínas é igualmente importante (nutrient timing, que hoje pesquisadores como Stuart Philips tentam insistentemente desvalorizar).
Como podemos perceber, o uso de aminoácidos associado à pratica de exercícios tende a aumentar a síntese proteica muscular mais do que qualquer outra combinação testada neste trabalho, indicando a importância no equilíbrio deste nutriente de forma prática, técnica e profissional na alimentação, o que vai além do que é praticado hoje de forma aleatória e sem aconselhamento especializado – ora retirando proteínas da dieta ou exagerando em suas quantidades.

OVERTRAINING
E quanto ao Overtraining? Conforme o overreaching caminha para o overtraining, podemos ter alterações clínicas mais evidentes, como leucopenia (diminuição de glóbulos brancos), diminuição da ferritina (proteína carregadora do ferro) ou um quadro de anemia já instalado, queda da imunidade, elevação da frequência cardíaca (oscilação da frequência cardíaca inclusive no treino), alterações na pressão arterial, dores musculares, aumento nas lesões, dificuldade na cicatrização, diminuição na performance e resistência muscular, fora o agravamento do quadro psicológico (com piora da depressão, irritabilidade, alterações de humor), e piora na qualidade do sono, inclusive com insônia. 
Ainda podemos ter alterações hormonais, com amenorreia (ausência de ciclos menstruais) e distúrbios menstruais, alterações hormonais, distúrbios do crescimento e distúrbios osteometabólicos, principalmente quando o overtraining ocorre em pacientes adolescentes. 
A amenorreia pode ser: primária (ausência da menarca, ou seja, primeira menstruação), secundária (interrupção dos ciclos menstruais por seis meses consecutivos depois de ter havido a menarca), e ainda pode cursar com espaçamento dos ciclos e irregularidade nas datas. 
O problema é que a ausência de ciclos menstruais na fase da puberdade prejudica a massa óssea, pois o hormônio estradiol, produzido pelo ovário, é o responsável pelo estímulo de formação da massa óssea, levando as pacientes a ter menos densidade de massa óssea e no futuro, osteopenia e até osteoporose, além de baixa estatura. Inclusive há descrição em literatura da tríade da mulher atleta, composta pelo quadro de: amenorreia, distúrbios alimentares e osteoporose, muito comum em ginastas, bailarinas e esportes ou atividades onde o baixo peso é algo desejável. 
O afastamento de outras patologias é sempre necessário, sendo muito importante salientar que o tratamento psicológico (para o estresse, anorexia e bulimia) deve ser associado ao nutricional e exercícios de carga, tensão e impacto são necessários para a melhora da densidade óssea, desde que sempre acompanhados e prescritos por profissional especializado. 
A introdução de hormônios femininos pode ser necessária em alguns casos, por isso sempre deve ser acompanhado por médico especializado. Em atletas com baixo peso, inclusive homens, a baixa quantidade de gordura e a má alimentação, muitas vezes com restrição de vitaminas e sais minerais, como o cálcio, pode levar a diminuição da densidade óssea. 
Além disso, homens podem cursar pelo overtraining com hipogonadismo masculino secundário, com queda da testosterona, levando a sintomas e sinais que muitas vezes se confundem com o quadro de fadiga e astenia, mas que são devidos a queda deste hormônio. 
Dentre os sinais e sintomas, temos: desânimo, depressão, labilidade de humor, falta de concentração, falta de motivação, diminuição da força e resistência muscular, além de sinais mais específicos como: queda da libido e desempenho sexual, diminuição da produção e da motilidade dos espermatozoides e diminuição dos caracteres secundários (barba, pelos). 
Dentre os fatores que podem levar a este quadro e agravá-lo, temos muitos atletas que praticam exercícios de resistência contínuos e de alta intensidade e além do excesso de exercícios de endurance apresentam situações como: jejum prolongado, dieta restritiva com privação calórica e de gorduras, estresse, privação do sono e baixo peso com ou sem baixo percentual de gordura. 
Alguns destes casos ainda cursam com diminuição da densidade óssea, ou seja, com osteopenia ou a osteoporose, ainda mais que o osso precisa do estradiol, que no caso do homem é proveniente da aromatização da testosterona no tecido gorduroso do homem. Então a avaliação médica nestes casos é extremamente importante e inclusive o tratamento, por todas as consequências associadas não pode ser negligenciado, deixando claro que o tratamento muitas vezes requer a cessão da atividade física, tratamento nutricional com dieta adequada, psicológico (inclusive com terapia), melhora da qualidade do sono e do estresse e se houver necessidade, reposição hormonal. 
Ainda podemos encontrar elevação do TSH, diminuição dos hormônios tiroidianos e elevação do hormônio t3 inativo (reverso), muito encontrado em pacientes com inanição, restrição alimentar e com doença crônica. Ainda podemos encontrar hipercortisolismo (aumento do cortisol sérico), alterações do IGF1, aumento das catecolaminas, aumento da grelina (hormônio orexigeno, que aumenta o apetite) e diminuição da leptina (hormônio que diminui o apetite).
Um outro trabalho publicado no JCEM em 2014, onde 23 soldados foram submetidos a treinamento intenso por oito semanas com privação do sono, privação alimentar, alto gasto energético, exercícios extenuantes e sob estresse, demonstrou queda na testosterona total, no IGF-1, aumento do TSH e aumento de mediadores inflamatórios, seguidos de reversão das alterações com retorno da alimentação, do sono, cessação do estresse, descanso e recuperação do peso, constatados por exames realizados após seis semanas do fim do treinamento. 
Tudo isso demonstra que tanto o overreaching como o overtraining necessitam de um conjunto de medidas, que vão desde dieta, suplementação adequada, descanso, muitas vezes acompanhamento psicológico, nutricional, avaliação médica e reconhecimento dos limites como seres humanos. 


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