PALAVRA DO ESPECIALISTA

Palavra do Especialista: Bandagem funcional e suas relações com o sistema nervoso

Ao analisar o tecido muscular tendo como foco as estruturas que o compõe, sua organização e as dinâmicas envolvidas no controle contrátil

Palavra do Especialista: Bandagem funcional e suas relações com o sistema nervoso

Ao analisar o tecido muscular tendo como foco as estruturas que o compõe, sua organização e as dinâmicas envolvidas no controle contrátil, percebe-se que há integração de múltiplos sinais que envolvem desde o comando local da contração até sua expressão de controle realizada na medula neural e em áreas específicas do sistema nervoso central.

De uma forma mais reducionista sempre nos referimos que os músculos são constituídos de feixes de fibras, as quais quando analisadas ao microscópio são compostas de minúsculos filamentos denominados de miofibrilas e estas se dispõem em paralelo dando a célula muscular a aparência estriada. A razão para esta estriação se deve ao fato das fibrilas serem constituídas de componentes ainda menores e regularmente ordenados denominados de miofilamentos de cadeias proteicas.

Dentro de um olhar minucioso pode-se verificar que, além do arranjo de fibras musculares existe no interior do conjunto de fibras, dois tipos de estruturas que fazem parte do sistema nervoso e são denominadas de fuso neuromuscular e neurotendinoso. Os fusos neuromusculares estão dispostos em paralelo entre as fibras musculares estando distribuídos por toda a estrutura do músculo, atuando de forma integrada ao movimento contrátil das fibras.

A fim de exemplificar o controle neural podemos avaliar o que ocorre quando uma fibra muscular é alongada e consequentemente os fusos também se alongam. Caso o alongamento venha a ocorrer excessivamente e houver risco de lesão nas células musculares, os fusos emitem sinais elétricos que são processados na medula neural, emitindo uma resposta e promovendo contração reflexa, ou seja, gera-se um reflexo de estiramento ou miotático cuja função é proteção.

Esta condição pode ser demonstrada quando um médico percute com um martelinho de reflexo no ligamento logo abaixo da patela (estrutura óssea no centro do joelho) e tem como resposta a distensão das fibras musculares dos músculos extensores do joelho, ou seja, o músculo se protege desta distensão inesperada promovendo contração.

Este tempo de resposta é muito importante, pois reflete o tempo em que o impulso nervoso levou para ir do fuso muscular até a medula neural e retornar as fibras musculares.

Esta dinâmica estímulo/resposta também pode ser percebida quando adormecemos sentados e os músculos do pescoço relaxam e a cabeça é rapidamente inclinada para frente, com isso, os fusos musculares são repentinamente estimulados promovendo o endireitamento inconsciente da cabeça (acordar-se com um solavanco). Vale a pena reforçar que o fuso responde a estiramentos rápidos, entretanto, permite o reflexo da extensão voluntária desde que não sejam muito rápidas.

O segundo tipo de fuso se denomina neurotendinoso cuja função é informar ao sistema nervoso central a real tensão nos músculos, assim, se a tensão estiver muito alta a ponto de haver um potencial risco de lesão, o fuso emite um sinal ao sistema nervoso central que responde com um estímulo inibitório, provocando relaxamento e diminuindo a tensão, em suma, os fusos neuromusculares e neurotendinosos fazem parte de importantes mecanismos de proteção muscular.

Cientistas e profissionais da saúde têm dedicado esforços no sentido de interferir positivamente nas dinâmicas neurais que controlam a musculatura esquelética, quer seja na condição em que este tecido se encontra lesado, ou ainda, atuando de forma preventiva inibindo uma sobrecarga de função. Neste sentido tem sido amplamente divulgada a técnica de Bandagem Elástica Funcional ou somente Bandagem Elástica. Este instrumento/recurso é constituído de uma lâmina de algodão (tira) associado a uma cola para adesão a pele.

Esta técnica foi desenvolvida na década de 70 sendo a ela atribuídas as funções de estabilização; contenção; proteção; imobilização; prevenção e estimulação sensorial. Cabe reiterar que o mérito da proposta se deve ao Dr. Kenzo Kase, criador da bandagem elástica conhecida como Kinesio Tape e segundo o entendimento do Dr. Kenzo “Os músculos não realizam apenas movimentos, mas também influenciam no equilíbrio funcional dos sistemas circulatório e linfático”.

A explicação para os diferentes efeitos benéficos que acompanham a bandagem se relaciona com o fato da tensão criada a partir da elasticidade da bandagem propiciar melhora da circulação local, além do que, ao se aplicar a bandagem sobre um músculo, ele pode permanecer em um status estimulado (indiretamente) e responder de duas maneiras relaxando ou ativando, de acordo com a responsividade e direcionamento propiciado pela medula, indicando que as respostas tem relação direta com a forma correta da aplicação da bandagem.

Vamos voltar a conceitos clássicos e importantes, relacionados aos movimentos musculares, ou seja, enquanto o músculo contrai e encurta suas fibras, uma de suas extremidades permanece fixa, enquanto a outra extremidade é tracionada (puxada) em direção a ele, tendo como resultado, o movimento. Estas fixações musculares são descritas como origem e inserção, ou seja, a origem é a extremidade proximal do músculo, que permanece fixa durante a contração e estando fixada a superfície do osso, não se desloca (forma um ponto fixo).

Em suma, se a fita for aplicada na direção da fibra muscular próxima a origem do músculo da sua inserção esse encurtamento muscular melhora a relação comprimento-tensão da musculatura alongada, reforçando a sua capacidade de gerar força com menor gasto de energia. Por outro lado, a inserção é a extremidade distal do músculo que se movimenta durante a contração, ou seja, é a extremidade presa ao osso que se desloca (ponto móvel).

Desta forma, se a bandagem for aplicada no sentido da origem para a inserção do músculo, o efeito será a tonificação ou ativação, no entanto, se aplicar no sentido contrário, o efeito será o relaxamento das fibras musculares. Outros efeitos relacionados à aplicação das bandagens que tem sido descrito por profissionais especialistas são a regulação tônica, analgesia, estimulação da propriocepção, redução de bloqueios circulatórios e linfáticos, tais como se observa nos edemas, além do realinhamento biomecânico da articulação envolvida com a musculatura, otimizando a capacidade de executar o movimento normalmente. A principal razão do uso da bandagem se fundamenta nas propriedades de facilitar e inibir a musculatura, de acordo com a forma como é aplicada.

Vamos buscar uma verdade científica que pode estar vinculada ao efeito obtido com a bandagem elástica focando sua aplicação, por exemplo, no alívio à dor. Sabe-se que a aderência da fita com o corpo provoca um estímulo constante na superfície da pele ativando os grandes campos sensoriais, os quais emitem sinais em direção à medula para serem transcritos em áreas do cérebro. Este impulso sensorial em maior intensidade inibe a sensação dolorosa, por atuar em mecanismos medulares já conhecidos pela comunidade científica e denominados teoria do portão. Neste caso, não se descarta o fato que a bandagem elástica pode exercer uma relação indireta com o controle neuronal medular que comanda as fibras musculares.

No meio esportivo é comum observar atletas utilizando as bandagens com diferentes propósitos. Vamos analisar a condição de ativação muscular onde há implantação de um status contrátil precoce decorrente da tensão exercida pela bandagem, condição que pode auxiliar na intensidade da contração muscular favorecendo o maior desempenho do movimento muscular. Seria como estimular o músculo a superar sua capacidade contrátil tornando a contração/movimento além daquela costumeiramente atingida. Por outro lado, pode-se aplicar a bandagem em uma técnica denominada redução da ação muscular onde dentro do perfil da colocação da bandagem, a resposta obtida é a redução na tensão muscular auxiliando no relaxamento da musculatura.

Outra aplicação se refere à possibilidade de trabalhar a estabilização das estruturas articulares, limitação da amplitude de movimento e normalização do movimento permitindo que seja facilitado ou inibido, reposicionando estruturas que se encontram encurtadas, assim, a bandagem elástica não provoca nenhum tipo de limitação de movimento, propiciando ainda conforto. Em suma, os possíveis efeitos da bandagem estão associados à facilitação ou a inibição da ação muscular.

É interessante considerar que esta amplitude de efeitos não é consenso na comunidade científica e apesar das bandagens estarem sendo muito utilizadas tanto no meio esportivo quanto fora dele, muitos profissionais acreditam que se trata de um placebo, ou seja, enquanto não houver evidências científicas que referendem o funcionamento, ficam em foco os relatos de experiências práticas. Não se esqueça, o equilíbrio funcional e o restabelecimento de função dependem diretamente de uma suplementação efetiva, que sustenta a homeostasia energética dos tecidos.

 

 

Prof. Dr. Carlos Alberto Silva

Especialista

Doutor em Ciências Fisiológicas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente é professor titular do Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Metodista de Piracicaba.

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